São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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"Maldição do petróleo" é perigo político

Projeto brasileiro precisa obter o consenso das forças políticas para evitar situações como as de Bolívia e Nigéria, diz pesquisador

Para professor da UFRJ, ainda há muito o que ser feito antes da criação de estatal para administrar os ativos do petróleo, como na Noruega

DA SUCURSAL DO RIO

O engenheiro e economista Adilson de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem vasta experiência na pesquisa de assuntos energéticos. Foi consultor do Banco Mundial, da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da Eletrobrás. Nos últimos meses, ao lado dos pesquisadores do grupo de Energia da universidade, esteve debruçado sobre as estatísticas da Petrobras. E chegou à conclusão de que a importância da estatal para a economia brasileira deverá crescer ano a ano -mas não a ponto de prejudicar os outros setores econômicos. Ele avalia que os perigos estão longe das estatísticas, mas muito perto das decisões políticas.

 

FOLHA - O que representará a expansão da Petrobras no conjunto das riquezas nacionais?
ADILSON DE OLIVEIRA
- Mais do que os percentuais estimados na pesquisa, o importante é a trajetória. No cenário que considero mais pessimista, em que o preço do barril de petróleo cai para cerca de US$ 80, a participação da Petrobras na economia brasileira irá dobrar em uma década. Já a partir de 2010, devemos passar a ser exportadores. Isso tudo coloca uma série de questões importantes. Precisamos definir, por exemplo, se queremos refinar aqui para vender produtos de maior valor agregado, o que exigirá investimentos pesados.

FOLHA - Como vê o que os especialistas chamam de "maldição do petróleo"?
OLIVEIRA
- Quando se fala em "maldição do petróleo", há vários aspectos a analisar. Do ponto de vista econômico, é uma referência à tal da "doença holandesa". No aspecto político, abrange uma gama maior de fatores, circunstâncias e exemplos históricos.

FOLHA - A "doença holandesa" preocupa?
OLIVEIRA
- Não acho que ameace. A expansão da Petrobras e de toda a indústria do petróleo deverá ser monstruosa nos próximos anos. Mas digamos que, sozinha, a Petrobras chegue a 10% do produto nacional: mesmo assim, será um percentual compatível com o resto, se pensarmos no conjunto. O Brasil tem um parque industrial forte, diversificado e que conseguiu se modernizar nos últimos anos. Fora isso, temos um agronegócio fortíssimo. E álcool. Ou seja: da soja e do álcool aos aviões da Embraer.

FOLHA - E a maldição política?
OLIVEIRA
- Essa é a minha grande preocupação. Compreende diversas situações: governos autoritários, corruptos, graves conflitos regionais. Um exemplo é o da Nigéria [grande produtor de petróleo e marcado por instabilidade política]. Ou mesmo da vizinha Bolívia, dividida entre as regiões ricas em hidrocarbonetos [petróleo e gás], que são prósperas, e as sem os recursos naturais, pobres. Há muitos outros exemplos de desorganização política derivada da briga pelos recursos do petróleo. Aliás, numa escala menor, é o que já aparece entre nós nessa discussão dos royalties entre Estados e municípios. Evidentemente, estamos bem distantes do cenário de outros países, mas é com ele que precisamos ter cautela.

FOLHA - E quais seriam as ações preventivas?
OLIVEIRA
- É preciso ter em mente o seguinte: esse é um projeto para ser desenvolvido em 30 anos, não é algo para ser sacramentado de uma hora para outra. Não pode ser tarefa de apenas um governo. E, dentro da perspectiva de um governo, é desejável que obtenha consenso das forças políticas. Estamos em um momento similar ao do início da década de 50, quando mesmo a UDN [partido político que fazia oposição ao governo de Getúlio Vargas] apoiou a criação da Petrobras. É preciso pensar numa perspectiva de toda a sociedade.

FOLHA - Mas isso leva tempo...
OLIVEIRA
- Mas é o preço a pagar. O governo precisa fazer uma espécie de "livro branco", explicando o quadro completo do pré-sal, para que a sociedade faça suas escolhas. Sem isso, acho que é cedo para tomarmos decisões sobre as reservas.

FOLHA - Nesse sentido, como vê a criação de uma nova estatal para administrar as áreas do pré-sal?
OLIVEIRA
- O risco é o poder de decisão ficar na mão de poucos. Independentemente de outra condicionante, é o que devemos evitar. Pelo volume de recursos envolvidos. Pela possibilidade de se criarem as condições para que um grupo pretenda se perpetuar no poder.

FOLHA - Fala-se muito no exemplo da Noruega, que criou uma estatal.
OLIVEIRA
- Lá o que se faz é a gestão financeira de ativos do Estado, dos ativos financeiros. A Petoro, a estatal, administra a riqueza do petróleo. Mas há outros órgãos, controles. Não podemos esquecer que a Noruega é um país parlamentarista. Então, a Petoro obedece ao governo, mas o governo obedece ao Parlamento. É uma situação distinta da brasileira. E veja bem: lá não há licitações. As empresas privadas são chamadas a participar da exploração sob determinadas condições. E é um regime de concessão.

FOLHA - Seria cedo para adotar o modelo norueguês?
OLIVEIRA
- Temos muita coisa a fazer. Esses recursos são propriedade da nação, que poderá canalizá-los para setores e atividades. Fala-se em educação, o que evidentemente será bem-vindo. Precisamos também desenvolver toda a cadeia produtiva do petróleo, os fornecedores de equipamentos e serviços de apoio à exploração, áreas em que somos dependentes. E é isso que criará os empregos de qualidade aqui no país. Ou seja, há muita coisa pela frente. O debate está só começando.


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