São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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DANIEL GOLDBERG

O novo Cade


Estamos prestes a perder outra janela de oportunidade para reformar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

TOMARAM posse três novos conselheiros do Cade e, após um curto período de paralisação, o órgão que analisa operações que constituem parte importante da vida econômica do país volta a funcionar.
A restauração da "normalidade" fará com que dentro em pouco (até a próxima grande fusão) o tema da defesa da concorrência passe a ocupar menor espaço nos fóruns de discussão econômica. Nada melhor então do que aproveitar o momento e chamar a atenção do leitor a um fato de suma importância: estamos prestes a perder mais uma janela de oportunidade para reformar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Em 2005, o presidente da República enviou ao Congresso o PL 5.877, que cria o "novo Cade". O projeto reflete não só anos de discussão entre integrantes dos diferentes órgãos de governo que participaram da sua elaboração mas também reflexão acumulada a partir das tentativas anteriores -feitas por outros governos- de instituir mudanças. Desde 2000, quando o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso havia criado grupo de trabalho para criar o que então se chamava de ANC, temos debatido quais são as medidas adequadas à modernização da defesa da concorrência no Brasil. De fato, o tema da reforma da lei de defesa da concorrência, de tão freqüente nas rodas de discussão entre advogados, economistas e funcionários que militam nos órgãos antitruste, passou a ser simplesmente apelidado de "a reforma".
A despeito das controvérsias que costumam acompanhar qualquer projeto ambicioso de reforma legislativa -todos têm sua opinião de qual o "seu sistema ideal"-, há três aspectos da reforma flagrantemente apropriados e urgentemente necessários.
Comecemos pela maior das obviedades: hoje, há três órgãos distintos -SDE, Seae e Cade- com atribuição de examinar processos em matéria de defesa da concorrência. E cada um deles tem quadro pessoal abaixo do que considera necessário para o melhor desempenho das suas funções!
O departamento da SDE que cuida de todas as investigações que vão ao Cade, por exemplo, tem hoje apenas 26 técnicos. A unificação dos "três balcões" é medida óbvia para melhorar a estrutura da defesa da concorrência sem necessariamente expandir o orçamento a ela dedicado.
O segundo aspecto, talvez mais controverso, é o que diz respeito à forma como se controlam as fusões e as aquisições no Brasil. Entre mais de 80 jurisdições que exercem o controle concorrencial sobre esse tipo de operação, o Brasil é um dos poucos -acompanhado de Paquistão e Egito- que exigem das empresas que peçam chancela do governo para determinada concentração depois de ela já ter sido consumada! Se o Cade decide então reprovar a fusão, as partes têm de desfazer o negócio, o que impõe custos sérios aos acionistas das empresas e à sociedade de forma geral.
Por fim, é crucial que se criem mecanismos que restrinjam o universo de operações que hoje têm de ser apresentadas ao exame dos órgãos de concorrência e que permitam ao novo órgão aprovar sumariamente, sem burocracia, as operações que se mostrem claramente inofensivas.
Ainda que não em sua forma ideal, esses três elementos, racionalização de estruturas, análise prévia de fusões e aquisições e, por fim, desburocratização de procedimentos, estão presentes no PL 5.877/05.
É hora de aperfeiçoá-lo no que for possível -sem que nos arrisquemos a perder mais uma janela de oportunidade- e aprová-lo. Que a posse dos novos conselheiros do Cade não faça com que o Congresso se esqueça do "novo Cade".


DANIEL K. GOLDBERG , diretor responsável pelo banco de investimentos do Morgan Stanley no Brasil, foi secretário de Direito Econômico (2003-2006) do Ministério da Justiça.
Excepcionalmente, hoje, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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