São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

As ponderações de Bernanke


A concentração de riscos pode ser aceitável numa só instituição, mas é perigosa ao se espalhar por muitas

NA CONFERÊNCIA Anual de Jackson Hole, realizada na semana passada, Ben Bernanke reconheceu que a crise iniciada nos mercados hipotecários despertou os neurônios das autoridades reguladoras para as questões que envolvem o conjunto das instituições financeiras. "No sistema atual de regulação, as autoridades freqüentemente se ocupam de cada instituição isoladamente." Bernanke recomenda maior ênfase na chamada regulação "macroprudencial".
Ele pretende não só reduzir a dispersão das atribuições entre as agências encarregadas da supervisão e regulação mas também ampliar o raio de atuação do Federal Reserve com o propósito de "tomar em consideração os potenciais riscos e fragilidades sistêmicas".
Risco sistêmico pode ser definido como a possibilidade latente -desconhecida pelos participantes do mercado, ou contra a qual eles não se protegeram- de que um evento possa ocorrer, movendo a economia na direção de um equilíbrio socialmente ineficiente. A concentração de riscos, diz o chairman do Federal Reserve, pode ser aceitável numa única instituição, mas torna-se perigosa quando se espalha por muitas instituições simultaneamente. Foi o que aconteceu com a concessão e a securitização dos créditos hipotecários: a pretexto de diversificar os riscos individuais, os bancos e demais instituições disseminaram o risco pelo conjunto do sistema.
O risco sistêmico pertence à categoria de fenômenos econômicos que decorrem de falhas de coordenação dos mercados. Falhas de mercado, na linguagem técnica, dizem respeito a déficits insuperáveis no abastecimento de informações aos agentes envolvidos numa transação. A assimetria de informação é inerente à relação credor-devedor: o bem transacionado não é um valor real disponível, mas uma promessa, o que dificulta aos contratantes avaliar adequadamente as condições e as intenções do outro protagonista.
Não é fácil definir com precisão o que é uma crise sistêmica, mas é possível reconhecer o fenômeno quando ele está ocorrendo. Numa pesquisa exaustiva, os economistas De Bandt e Hartmann afirmam que uma crise sistêmica ocorre quando "um número considerável de instituições financeiras ou mercados afeta o bom funcionamento do sistema de crédito, ou seja, afeta negativamente a eficiência da transformação da poupança em investimento produtivo".
Em artigo publicado no jornal "Valor Econômico" de segunda-feira, 18 deste mês, argumentei que o desenvolvimento da fragilidade financeira e do risco sistêmico não decorre do comportamento irracional dos agentes, mas sim do peculiar sistema de relações que se estabelece entre os possuidores de riqueza. A formação dos preços dos ativos é determinada por fortes interações subjetivas entre os participantes do mercado. As condições de liquidez se alteram endogenamente ao longo do ciclo: primeiro abundante, depois eufórica, para finalmente desaparecer diante da demanda desesperada dos que carregam ativos cujas receitas tornaram-se inferiores aos pagamentos contratuais decorrentes da dívida assumida.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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