São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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Planalto eleva gasto com funcionalismo

Pacote do governo federal interrompe redução no custo da folha de pagamento e vai afetar Orçamento do sucessor de Lula

Além dos reajustes salariais, número de servidores ativos e inativos cresceu 12% de 2003 até o ano passado e já alcança 2,078 milhões

Rafael Andrade - 21.ago.08/Folha Imagem
Protesto de servidores públicos federais no Rio de Janeiro

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A edição, pelo governo federal, de um segundo pacote de reajustes salariais generalizados para o funcionalismo público abortou o ajuste dos gastos com pessoal que deveria ter sido iniciado neste ano pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva e deixará uma conta que será paga em parte por seu sucessor. Até estimativas oficiais já apontam que as despesas, depois da desaceleração no primeiro semestre, retomarão a tendência de alta.
Com uma medida provisória já aprovada pela Câmara dos Deputados e outra a ser enviada ao Congresso nos próximos dias, o pacote -posto em prática, como em 2006, às vésperas do período eleitoral- não trouxe apenas vantagens imediatas aos servidores: há novos reajustes, planos de carreira, gratificações e outros benefícios programados até 2012, quando o sucessor de Lula estará chegando à metade do mandato.
A medida provisória já aprovada beneficiou mais de 1,4 milhão de servidores federais civis e militares. A próxima deve atingir outros 350 mil.
Não fossem as duas MPs, começaria neste ano o processo de redução do peso das despesas com pessoal prometido no lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Segundo o texto original do Orçamento da União, a conta ficaria em R$ 126,9 bilhões, equivalentes a 4,4% do Produto Interno Bruto, enquanto nos dois anos anteriores a folha de pagamento andou na casa de 4,5% do PIB.
A queda, que deveria ter continuidade nos anos seguintes, chegou a ser observada entre janeiro e junho, quando o gasto avançou em ritmo inferior ao do crescimento econômico.
Agora, as novas projeções do Planejamento indicam que o funcionalismo dos três Poderes consumirá, em 2008, R$ 133,3 bilhões dos cofres da União, uma alta para 4,6% do PIB.
O projeto de Orçamento de 2009, a ser anunciado até o final do mês, deverá prever outra elevação -o governo projeta, com o novo pacote, uma elevação gradual da despesa com o funcionalismo que totalizará mais R$ 31 bilhões em quatro anos.
Os números põem em xeque o propósito, anunciado com o PAC, de aproveitar o bom momento da economia e os conseqüentes recordes na arrecadação de tributos para promover um ajuste politicamente menos doloroso nos gastos com pessoal. A estratégia buscava abrir espaço orçamentário para mais investimentos em infra-estrutura, sem aumento da carga tributária.
Para isso, a folha de salários dos três Poderes só poderia crescer, no máximo, 1,5% ao ano acima da inflação, bem abaixo dos 5% de crescimento anual esperado do PIB. No entanto o projeto que fixava a regra foi bombardeado pelos próprios partidos aliados ao Palácio do Planalto e não deu um passo sequer no Congresso desde o ano passado.

Tarefa mais difícil
Daqui para a frente, como mostram as expectativas do mercado, a tarefa será mais difícil. Se os gastos cresceram em proporção do PIB até no ano passado, quando a economia cresceu 5,4%, a tendência ficará mais aguda a partir de 2009, quando, segundo analistas e investidores, a expansão do PIB não deverá passar de 3,7%. E é consenso entre os especialistas que o sucessor de Lula não terá a sorte de uma conjuntura internacional tão favorável quanto a dos últimos anos.
Freio na economia não significa, necessariamente, pressão menor por mais salários, ainda mais no caso de um funcionalismo cujos sindicatos são influentes no governo e já esperam novas vantagens em 2010, quando será escolhido o sucessor de Lula. Não por acaso, a afirmação da área econômica de que a rodada de reajustes deste ano foi a última é vista com ceticismo.
"Os mecanismos geradores na pressão altista continuam presentes: manutenção da autonomia dos Poderes e decisão política de não se utilizar ativamente a legislação de greve do setor privado nas greves do funcionalismo", diz um trabalho recém-apresentado pelos economistas Raul Velloso e Marcos Mendes, especializados em contas públicas.
Para Mendes, não apenas o atual governo tende a manter a complacência com o sindicalismo dos servidores, mas também seu sucessor, mesmo que venha da oposição, terá dificuldade em retomar o ajuste dos gastos. "É uma bandeira ruim para qualquer partido, porque há prejudicados claros e mobilizados, enquanto os benefícios são difusos", avalia.
A atuação recente do PSDB e do DEM ajuda a exemplificar a tese. Enquanto criticam genericamente a "gastança" de Lula, os dois maiores partidos oposicionistas não se atrevem a votar contra as propostas de aumento dos salários dos servidores -no caso da MP aprovada pela Câmara, a oposição chegou a cobrar a inclusão de mais categorias no pacote salarial.

Disputa na elite
Por trás dos pacotes de bondades oferecidos ao funcionalismo, há uma disputa de poder e prestígio entre os sindicatos e entidades ligadas às corporações do serviço público, que estão entre as principais bases políticas do PT.
A elite do Executivo, formada pelos delegados da Polícia Federal, pelos advogados da União e pelos auditores da Receita Federal, ambiciona os salários mais altos do Legislativo e do Judiciário. Os demais servidores, mais numerosos, tentam uma carona nos ganhos da elite -1,4 milhão deles, entre civis e militares ativos, aposentados e instituidores de pensão, foram beneficiados pela MP já editada neste ano.
Na próxima MP, advogados e auditores, que fizeram greves neste ano, serão contemplados com tetos salariais próximos aos R$ 19,7 mil que vigorarão no próximo ano para a categoria mais bem paga do Executivo, os delegados e peritos da PF. Os ganhos aumentam as pressões para elevar o teto de R$ 24,5 mil no Judiciário, o maior do setor público em todo o país.
O gasto também cresce porque Lula interrompeu o processo de enxugamento do quadro iniciado na década de 90 pelo ex-presidente Fernando Collor. De 2003 a 2007, o número de servidores ativos e inativos cresceu 12% e chegou a 2,078 milhões.


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