São Paulo, segunda-feira, 24 de agosto de 2009

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ENTREVISTAS

Edmar Bacha, do Itaú BBA

"Continuamos presos à cultura da liquidez diária"

FOLHA - O crescimento do crédito privado é uma mudança estrutural?
EDMAR BACHA - Não sei se estou muito disposto a comemorar. Tem de ver em que prazos e a que taxas. Para ter volume maior, é preciso ter crédito imobiliário, mas o custo ainda é muito alto. Expandir o imobiliário a essas taxas trará um sério problema de inadimplência.

FOLHA - O que falta?
BACHA - Nós continuamos presos à cultura da liquidez diária. Há um descasamento. Não dá para emprestar no longo prazo captando com liquidez diária.

FOLHA - A crise abalou o crédito?
BACHA - Estamos ainda nos recuperando. Muitos instrumentos de emergência foram adotados, mas devem ser superados. Temos que ver como será.

FOLHA - O governo se preocupa em reduzir seu custo à sociedade?
BACHA - Não é isso que temos visto. Toda a economia que o governo tem feito com a queda nos juros tem ido para gastos correntes. Há diversas ameaças, há projeto para acabar com o fator previdenciário e alocar mais recursos nos ministérios.

FOLHA - A eleição traz incertezas?
BACHA - No passado, o que havia era o medo do calote. Isso alimentava o aumento da taxa de risco. Ninguém está falando nisso agora. Mas há outras preocupações. Veja essa nova regulação do pré-sal. O que o governo vai fazer em relação à Infraero? E o risco regulatório? Sempre tem alguma ansiedade na hora em que muda. De repente, não tem mais [Henrique] Meirelles. Quem é que vai ser o presidente do BC? O que o mercado quer saber é isso.

Claudio Haddad, ex-Garantia

"Governo contribuiu por não atrapalhar o setor privado"

FOLHA - Há uma mudança estrutural no financiamento do país?
CLAUDIO HADDAD - A estabilidade e uma conjuntura internacional extremamente favorável trouxeram essa mudança. Estamos assistindo ainda ao início. Diria que teremos um crescimento forte do financiamento imobiliário. Com taxas mais baixas, começaremos a ter um alongamento do crédito.

FOLHA - O governo ajudou nessa mudança na economia?
HADDAD - Esse [governo] contribuiu no sentido de não atrapalhar. Pode atrapalhar um pouco agora porque o gasto está crescendo. É possível que, com o andar da carruagem, [a dívida pública] volte de novo [a superar a privada]. Não me preocupa a crise; a gente sai dela. O preocupante são coisas como o aumento de salário [dos servidores], que é permanente.

FOLHA - A eleição traz incertezas?
HADDAD - Até agora, a percepção é que não haverá tanta diferença na política econômica. Um, de uma certa maneira, representa a continuidade. O outro expressa ideias do governo anterior. Os mercados não viram motivos para ficar ansiosos. Mas isso tudo pode evoluir.

FOLHA - Mas por que os juros negociados para 2011 estão subindo?
HADDAD - Essa pressão nos juros é uma incerteza relativa ao futuro do BC [com a saída de Henrique Meirelles]. Não que as pessoas estejam esperando uma ruptura. Mas será que fatores políticos impediriam uma subida de juros, caso seja recomendável tecnicamente?

Raul Velloso, consultor

"Economia privada comanda o crédito no país"

FOLHA - O crescimento do crédito privado é uma mudança estrutural?
RAUL VELLOSO - A questão do tamanho é irrelevante. A dívida pública caía desde 2002 e a privada subia; havia uma substituição. A dívida privada não crescia porque a economia brasileira vivia sendo submetida a choques. O risco do setor privado era muito alto. O crédito no Brasil é um dos menores do mundo. A economia operava à vista ou em prazos muito curtos. O problema sempre foi o descontrole da dívida pública, que deixava os juros muito altos. Em 2003, aparece a bonança internacional e tudo começa a entrar em um ciclo virtuoso.

FOLHA - Como a dívida pública afeta o crédito privado?
VELLOSO - Os bancos emprestam não porque está sobrando dinheiro; emprestam porque há menos risco [para ganhar dinheiro]. Se o risco está muito alto e a perspectiva da economia é ruim, eles emprestam menos. Pegam o dinheiro e aplicam em título público. O que sobrar eles emprestam. A economia privada comanda.

FOLHA - A crise ameaça essa mudança no financiamento do país?
VELLOSO - A crise afetou o risco do sistema bancário privado, que diminuiu os seus empréstimos por cautela. Os bancos públicos estão tentando compensar essa diminuição, aumentando os empréstimos ao setor privado. Mas, com o fim da crise, tudo voltará ao normal. A arrecadação sobe, a dívida pública voltará a cair, e os bancos emprestarão mais.

Ricardo Carneiro, da Unicamp

"Primeiro cai o juro e depois a dívida pública"

FOLHA - A dívida pública afeta o rumo da dívida privada?
RICARDO CARNEIRO - A dívida pública não concorre com a dívida privada porque a quantidade de recursos disponíveis na economia não é fixa. Essa é uma visão ortodoxa. Há país com dívida acima do PIB. Se o tamanho fosse importante, todo mundo só investiria em título público e não haveria crédito nesses países. A diferença é que esses países têm taxas baixas.

FOLHA - A taxa de juros importa?
CARNEIRO - O que impedia o crescimento da dívida privada era o tamanho dos juros. O investidor que está assumindo mais risco quer mais rentabilidade. A única hipótese de o setor público impedir o avanço da dívida privada é quando há um descontrole muito grande da dívida. Isso joga o patamar de taxa de juros para cima e empurra também todas as taxas.

FOLHA - Qual foi o gatilho?
CARNEIRO - Tem mais a ver com a liquidez internacional, que diminuiu os juros do Brasil lá fora. Primeiro cai a taxa de juros, depois a dívida pública. Tem todo um ciclo de crédito, que envolve a decisão dos bancos de emprestar mais ao setor privado, que está se expandindo mais rápido do que o público.

FOLHA - A eleição traz incertezas?
CARNEIRO - Não acredito nisso. Os juros estão pressionados porque o mercado acredita em uma recuperação forte em 2010, que pode trazer inflação. Como o BC tem pavor de inflação, o mercado acredita que ele vai subir os juros.


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