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ENTREVISTAS
Edmar Bacha, do Itaú BBA
"Continuamos presos à cultura
da liquidez diária"
FOLHA - O crescimento do crédito
privado é uma mudança estrutural?
EDMAR BACHA - Não sei se estou
muito disposto a comemorar.
Tem de ver em que prazos e a
que taxas. Para ter volume
maior, é preciso ter crédito
imobiliário, mas o custo ainda é
muito alto. Expandir o imobiliário a essas taxas trará um sério problema de inadimplência.
FOLHA - O que falta?
BACHA - Nós continuamos presos à cultura da liquidez diária.
Há um descasamento. Não dá
para emprestar no longo prazo
captando com liquidez diária.
FOLHA - A crise abalou o crédito?
BACHA - Estamos ainda nos recuperando. Muitos instrumentos de emergência foram adotados, mas devem ser superados.
Temos que ver como será.
FOLHA - O governo se preocupa em
reduzir seu custo à sociedade?
BACHA - Não é isso que temos
visto. Toda a economia que o
governo tem feito com a queda
nos juros tem ido para gastos
correntes. Há diversas ameaças, há projeto para acabar com
o fator previdenciário e alocar
mais recursos nos ministérios.
FOLHA - A eleição traz incertezas?
BACHA - No passado, o que havia era o medo do calote. Isso
alimentava o aumento da taxa
de risco. Ninguém está falando
nisso agora. Mas há outras
preocupações. Veja essa nova
regulação do pré-sal. O que o
governo vai fazer em relação à
Infraero? E o risco regulatório?
Sempre tem alguma ansiedade
na hora em que muda. De repente, não tem mais [Henrique] Meirelles. Quem é que vai
ser o presidente do BC? O que o
mercado quer saber é isso.
Claudio Haddad, ex-Garantia
"Governo contribuiu por não atrapalhar o setor privado"
FOLHA - Há uma mudança estrutural no financiamento do país?
CLAUDIO HADDAD - A estabilidade e uma conjuntura internacional extremamente favorável
trouxeram essa mudança. Estamos assistindo ainda ao início.
Diria que teremos um crescimento forte do financiamento
imobiliário. Com taxas mais
baixas, começaremos a ter um
alongamento do crédito.
FOLHA - O governo ajudou nessa
mudança na economia?
HADDAD - Esse [governo] contribuiu no sentido de não atrapalhar. Pode atrapalhar um
pouco agora porque o gasto está crescendo. É possível que,
com o andar da carruagem, [a
dívida pública] volte de novo [a
superar a privada]. Não me
preocupa a crise; a gente sai dela. O preocupante são coisas como o aumento de salário [dos
servidores], que é permanente.
FOLHA - A eleição traz incertezas?
HADDAD - Até agora, a percepção é que não haverá tanta diferença na política econômica.
Um, de uma certa maneira, representa a continuidade. O outro expressa ideias do governo
anterior. Os mercados não viram motivos para ficar ansiosos. Mas isso tudo pode evoluir.
FOLHA - Mas por que os juros negociados para 2011 estão subindo?
HADDAD - Essa pressão nos juros é uma incerteza relativa ao
futuro do BC [com a saída de
Henrique Meirelles]. Não que
as pessoas estejam esperando
uma ruptura. Mas será que fatores políticos impediriam uma
subida de juros, caso seja recomendável tecnicamente?
Raul Velloso, consultor
"Economia
privada comanda o
crédito no país"
FOLHA - O crescimento do crédito
privado é uma mudança estrutural?
RAUL VELLOSO - A questão do tamanho é irrelevante. A dívida
pública caía desde 2002 e a privada subia; havia uma substituição. A dívida privada não
crescia porque a economia brasileira vivia sendo submetida a
choques. O risco do setor privado era muito alto. O crédito no
Brasil é um dos menores do
mundo. A economia operava à
vista ou em prazos muito curtos. O problema sempre foi o
descontrole da dívida pública,
que deixava os juros muito altos. Em 2003, aparece a bonança internacional e tudo começa
a entrar em um ciclo virtuoso.
FOLHA - Como a dívida pública afeta o crédito privado?
VELLOSO - Os bancos emprestam não porque está sobrando
dinheiro; emprestam porque
há menos risco [para ganhar dinheiro]. Se o risco está muito
alto e a perspectiva da economia é ruim, eles emprestam
menos. Pegam o dinheiro e
aplicam em título público. O
que sobrar eles emprestam. A
economia privada comanda.
FOLHA - A crise ameaça essa mudança no financiamento do país?
VELLOSO - A crise afetou o risco
do sistema bancário privado,
que diminuiu os seus empréstimos por cautela. Os bancos públicos estão tentando compensar essa diminuição, aumentando os empréstimos ao setor
privado. Mas, com o fim da crise, tudo voltará ao normal. A arrecadação sobe, a dívida pública voltará a cair, e os bancos
emprestarão mais.
Ricardo Carneiro, da Unicamp
"Primeiro cai o
juro e depois a dívida pública"
FOLHA - A dívida pública afeta o rumo da dívida privada?
RICARDO CARNEIRO - A dívida pública não concorre com a dívida
privada porque a quantidade de
recursos disponíveis na economia não é fixa. Essa é uma visão
ortodoxa. Há país com dívida
acima do PIB. Se o tamanho
fosse importante, todo mundo
só investiria em título público e
não haveria crédito nesses países. A diferença é que esses países têm taxas baixas.
FOLHA - A taxa de juros importa?
CARNEIRO - O que impedia o
crescimento da dívida privada
era o tamanho dos juros. O investidor que está assumindo
mais risco quer mais rentabilidade. A única hipótese de o setor público impedir o avanço da
dívida privada é quando há um
descontrole muito grande da
dívida. Isso joga o patamar de
taxa de juros para cima e empurra também todas as taxas.
FOLHA - Qual foi o gatilho?
CARNEIRO - Tem mais a ver com
a liquidez internacional, que diminuiu os juros do Brasil lá fora. Primeiro cai a taxa de juros,
depois a dívida pública. Tem todo um ciclo de crédito, que envolve a decisão dos bancos de
emprestar mais ao setor privado, que está se expandindo
mais rápido do que o público.
FOLHA - A eleição traz incertezas?
CARNEIRO - Não acredito nisso.
Os juros estão pressionados
porque o mercado acredita em
uma recuperação forte em
2010, que pode trazer inflação.
Como o BC tem pavor de inflação, o mercado acredita que ele
vai subir os juros.
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