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ARTIGO
Plano Paulson não é solução
Proposta prevê aquisição de maus ativos por valor muito superior ao justo
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
MOMENTOS de desespero requerem medidas desesperadas.
Mas lembrem-se, igualmente,
de que decisões apressadas podem terminar ditando a forma
do sistema financeiro por uma
geração. A rapidez é essencial.
Mas acertar quanto ao novo regime a ser adotado, também.
Sem dúvida a crise há muito
passou do estágio no qual os governos poderiam deixar ao setor privado a responsabilidade
por se salvar, com apenas uma
pequena ajuda dos bancos centrais. Para os EUA, o resgate ao
Bear Stearns foi o momento em
que essa opção desapareceu.
Mas os acontecimentos das
últimas semanas -o resgate a
Fannie Mae e Freddie Mac, a
quebra do Lehman Brothers, a
venda do Merrill Lynch, o resgate à AIG, a fuga para a segurança e a decisão pelo Morgan
Stanley e pelo Goldman Sachs
de que se tornarão holdings
bancárias sujeitas ao regime regulatório- tornam inevitável
uma solução abrangente.
O público dos EUA quer ação.
A questão é determinar se receberá a ação correta. Para responder a isso, devemos concordar quanto aos desafios que o
sistema financeiro dos EUA enfrenta e aos critérios para julgar
a forma de enfrentá-los.
Quais são os desafios? A resposta dada por Hank Paulson, o
secretário do Tesouro americano e um dos proponentes mais
insistentes de ação imediata, ao
anunciar, na sexta-feira, seu
"programa de alívio de ativos
problemáticos", é que "a fraqueza inerente do nosso sistema financeiro hoje são os ativos
hipotecários sem liquidez que
perderam valor à medida que
avança a correção no mercado
da habitação. Esses ativos estão
bloqueando o fluxo de crédito
tão vitais para a nossa economia". O desafio principal, portanto, seria a falta de liquidez,
não a insolvência. Ao criar um
mercado para esses ativos tóxicos, Paulson espera deter a espiral de quedas de preços e de
quebra de empresas.
Sugiro a adoção de uma visão
mais ampla. O total agregado de
dívidas dos EUA subiu de apenas 163% do PIB, em 1980, para
346%, em 2007. Só dois setores
foram responsáveis por essa
imensa alta no endividamento:
os domicílios, cujas dívidas
avançaram de 50% do PIB em
1980 para 71% em 2000 e 100%
em 2007; e o setor financeiro,
cujo endividamento subiu de
21% do PIB em 1980 a 83% em
2000 e 116% em 2007. Os balanços do setor financeiro explodiram, da mesma forma que
sua lucratividade hipotética.
Mas alavancagem, infelizmente, funciona nos dois sentidos.
Já que a dívida externa líquida dos EUA era de 39% do PIB
pelo final de 2007, virtualmente toda essa dívida representa
ativos para outras entidades
domésticas, e uma coisa deveria compensar a outra. Mas,
quando o estoque de dívida
bruta é imenso e as condições
econômicas são complicadas, a
chance de que muitas entidades quebrem se torna alta.
Quando as pessoas temem
insolvência em massa, as instituições de empréstimo suspendem seus empréstimos, e os devedores deixam de gastar. O resultado pode ser uma "deflação
de dívidas", descrita por um
economista americano, Irving
Fisher, em 1933, e vivida pelo
Japão nos anos 1990.
Dada a recente explosão no
nível de alavancagem, é improvável que o desafio seja só o de
determinar de maneira incorreta o preço dos títulos tóxicos
lastreados por hipotecas. Muitas pessoas e instituições fizeram apostas alavancadas que
saíram pela culatra. As dívidas
dessas pessoas não podem ser
pagas. Os credores estão reagindo como esperado.
Agora consideremos os critérios que devem ser usados para
avaliar a intervenção. Primeiro,
ela deve responder à ameaça
sistêmica. Segundo, deve minimizar os danos aos incentivos.
Terceiro, precisa apresentar
custo e risco mínimo para os
contribuintes. E, acima de tudo, precisa ser coerente com a
idéia de justiça social.
O problema fundamental
com o esquema de Paulson, na
forma proposta, é, portanto, o
de que não constitui nem a solução necessária e nem uma solução eficiente. Não é necessária porque o Federal Reserve
tem capacidade para enfrentar
o problema da falta de liquidez
por meio de suas muitas opções
como emprestador de último
recurso. E não é eficiente porque só seria capaz de lidar com
a insolvência ao adquirir maus
ativos por valor muito superior
ao justo, o que garantiria grandes prejuízos para os contribuintes e ofereceria um resgate
sem limites claros aos mais irresponsáveis dos investidores.
Além disso, esses ativos sofriam de fala de liquidez exatamente porque estimar seu valor era tão difícil. O governo
correria o risco de ver seus cofres recheados de imensas
quantias de papéis podres superavaliados, mesmo que tente
evitar essa situação. Igualmente reprovável, ainda que mais
em termos de forma que de
fundamento, era a idéia de poderes ilimitados ao Tesouro.
Um fundo como esse deveria
ser operado de maneira profissional e fiscalizado por instituições independentes. Por fim, se
o governo dos EUA pretende
resgatar os investidores incompetentes, deveria também oferecer assistência aos devedores, pobres e mal informados.
No entanto, acima de tudo,
um esquema para enfrentar a
crise deveria ser capaz de remediar a descapitalização iminente do sistema financeiro, da
maneira mais dirigida possível.
A maneira mais simples de
recapitalizar essas instituições
seria forçá-las a levantar capital
e a suspender seus dividendos.
Caso isso não funcione, poderia
haver conversões forçadas de
dívida em capital. A atração das
conversões de dívidas em capital é que isso criaria prejuízos
para os credores, e isso é essencial para a saúde em longo prazo de qualquer sistema financeiro.
A vantagem desses esquemas
é que eles não requereriam um
centavo em dinheiro público. A
desvantagem é que causariam
perturbações e seriam altamente impopulares. As instituições bancárias teriam de ter
seu valor determinado, e as instituições consideradas como
descapitalizadas teriam de adotar um dos métodos sugeridos
para melhorar suas posições de
capital.
Se, como parece plausível,
um esquema que imponha esse
tipo de sofrimento ao sistema
financeiro, tenha de ser rejeitado de imediato, a segunda melhor escolha seria uma injeção
de ações preferenciais pelo governo nas instituições descapitalizadas, como propôs Charles
Calomiris, da Universidade Columbia. Isso representaria um
resgate, mas determinado pelo
comportamento dos beneficiários, em especial quanto pagamento de dividendos. A idéia
seria bem melhor do que oferecer benefícios a quem não os
merece por meio de aquisições
em massa de papéis tóxicos a
preços absurdos.
Qual é minha conclusão, portanto? Sim, pode existir espaço
para uma intervenção no mercado de títulos tóxicos. Mas essa é uma maneira dispendiosa e
ineficiente de enfrentar os
mais profundos desafios atuais.
O que precisamos, acima de
tudo, é de uma maneira clara e
efetiva de promover a redução
das dívidas e a recapitalização
do sistema financeiro, idealmente sem recurso ao dinheiro
dos contribuintes. Caso seja
preciso usar o dinheiro deles, as
injeções devem ser dirigidas de
maneira cuidadosa e controlada. Ação abrangente é essencial, como Paulson decidiu.
Mas os Estados Unidos deveriam dedicar o tempo necessário a adotar a ação abrangente
certa.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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