São Paulo, quinta-feira, 24 de setembro de 2009

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Problema é "limpar" dinheiro de origem criminosa, diz especialista

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

A proposta de repatriar dinheiro brasileiro sem comprovação de origem é antiga e reaparece normalmente quando o real desaba -o que não é o caso atual- ou em períodos anteriores às eleições.
No Brasil, os principais argumentos a favor da proposta são que sucessivos planos econômicos heterodoxos, instabilidade financeira, restrições cambiais e fragilidade regulatória vividos até os anos 90 foram um "convite" para remeter dinheiro ilegalmente ao exterior.
O problema é como separar recursos que saíram do país por "simples" sonegação -alvo prioritário da proposta de anistia- do dinheiro proveniente de narcotráfico, terrorismo, corrupção, contrabando, sequestro e outras ilegalidades indefensáveis. Como impedir que parte desses recursos ilegais caminhem para caixa dois e retroalimentem a corrupção?
Por mais controverso que o assunto seja, países como Estados Unidos, Espanha, Itália, México e Chile, entre outros, promoveram algum tipo de anistia a recursos ilegais no exterior. Os objetivos variaram desde recuperar a arrecadação, reequilibrar a taxa de câmbio e fomentar investimentos até carimbar a origem de dinheiro.
Após a crise, recursos sem atestado de legalidade não estão mais seguros como antes. Reguladores de EUA e Europa discutem restrição a paraísos fiscais e ao sigilo bancário total e aperto à lavagem de dinheiro.
Segundo o economista Natham Blanche, da consultoria Tendências, as regras de restrição cambial vigentes antes da flutuação do real em 1999 "empurravam" para a ilegalidade empresas e pessoas físicas, que tinham de recorrer a práticas paralelas à legalidade para manterem suas atividades. Blanche lembra que o governo chegou a determinar o que se podia importar, além de limitar o direito de ir e vir de turistas.
"Essas pessoas merecem retornar com esse dinheiro para o Brasil. Isso é poupança brasileira no exterior. Se houver ingresso, ela aumentará o nível de investimento. Mas tem de separar o joio do trigo; não tem de dar a mesma oportunidade a quem cometeu um crime e a quem fez uma operação paralegal e forçosamente teve de utilizar mecanismos paralelos para manter tanto suas atividades empresarias como civis", disse.
O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, afirma ser completamente contrário à proposta de anistia por permitir a "legalização" de um dinheiro de origem duvidosa e ainda somado a um benefício fiscal. Isso porque a pessoa física tem alíquota de 27,5% de IR e as empresas podem pagar até 34%, enquanto a repatriação de recursos ilegais poderá ter alíquota de 10% a 15%.
Maciel lembra que a Receita Federal sempre permitiu ao contribuinte irregular pagar o débito apenas com multa e juros, extinguindo a punição em caso de espontaneidade do infrator. Para Maciel, grande parte desse dinheiro ilegal já está no país, possivelmente na Bolsa e em renda fixa, gozando do status de capital estrangeiro proveniente de paraísos fiscais.
"De onde vem o dinheiro? Como distinguir se o dinheiro é decorrente de narcotráfico, corrupção, extorsão, contrabando ou se foi "simples" -e friso essas aspas- sonegação? As pessoas que cometeram uma ilegalidade, de naturezas variadas, além de serem anistiadas, vão receber benefício fiscal."
Para advogados, a anistia só funcionará se houver garantia de sigilo bancário. No caso, os bancos poderiam assumir a responsabilidade de atestar se o dinheiro é proveniente de crime ou exclusivamente de sonegação, sem violar esse sigilo. "Não seria uma delegação excessivamente temerária [aos bancos]?", pergunta Maciel.


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