São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE/ECONOMIA AMERICANA

Bush, o irresponsável fiscal

DO "FINANCIAL TIMES"

Durante o governo Clinton, Alan Greenspan ganhou o apelido de "Republicano Rubin", devido ao papel crucial que exerceu no sentido de devolver o equilíbrio às finanças públicas, enquanto Robert Rubin foi secretário do Tesouro. Na semana passada, o presidente do Federal Reserve fez uma observação bem-vinda, pedindo cautela no uso de reduções de curto prazo nos impostos para ajudar a administrar a economia. Seu aviso foi parcial, feito com atraso e se baseou numa justificativa curiosa. Mas, se marcar um retorno à retidão fiscal, será altamente bem-vindo.
O argumento estranhamente restrito que Greenspan apresentou para justificar a recomendação de cautela nos cortes de impostos (dizendo que os Estados Unidos não possuem um sistema adequado de planejamento orçamentário) não convenceu. A impressão que deu é que a intenção era justificar o infeliz apoio que Greenspan expressou no ano passado ao corte tributário de US$ 1,35 bilhões.
Greenspan diluiu sua mensagem, continuando a concordar com a administração Bush em que o corte (previsto para caducar em 2010) deve ser instaurado como permanente. Teria sido muito melhor se o presidente do Fed tivesse expresso uma objeção consistente e justificada ao uso de impostos e gastos para controlar a economia e se tivesse argumentado que a política fiscal deve ser voltada a assegurar a sustentabilidade de longo prazo.

Alvo errado
O corte nos impostos efetuado no ano passado, apresentado como estímulo econômico, não foi nada disso. Boa parte dele entrou em vigor tarde demais e beneficiou os setores errados da população -ou seja, as camadas mais ricas, que tendem a poupar em lugar de gastar. O corte não vai ajudar muito a economia americana a passar pelo que Greenspan descreve como seu "momento delicado" atual.
A redução nos impostos que está sob discussão provavelmente teria os mesmos problemas. No mínimo, em vista da confusão envolvendo o processo de aprovação do orçamento pelo Congresso, é provável que a primavera teria chegado antes que qualquer redução já fosse suficientemente certa para levar os consumidores a reagir a ela. Até lá, poderia acabar por superaquecer a recuperação e, possivelmente, forçar uma alta nos juros de longo prazo, na medida em que levantaria temores quanto à solvência fiscal futura, em lugar de ajudar a combater um desaquecimento.

Superávit vira déficit
Com o orçamento já entrando no déficit de maneira preocupante, as receitas diminuíram muito mais rapidamente do que a desaceleração da economia justificaria, em tempos normais. Logo, esta não é uma boa hora para começar a colocar em risco a posição fiscal de longo prazo dos EUA. Permitir a operação de estabilizadores automáticos (como deveriam fazer os EUA e, na realidade, também a Europa) é algo inteiramente diferente: uma parte pouco notada do sistema americano é formado pelas regras de equilíbrio orçamentário aplicadas aos Estados. Nessa área o governo federal poderia ajudar, de maneira apropriada e responsável, mas provavelmente não o fará, aumentando temporariamente os fundos correspondentes que repassa aos Estados para gastar com saúde, educação etc.
A gestão macroeconômica, exceto sob circunstâncias evidentemente deflacionárias, é uma questão que deve ser feita pelos banqueiros centrais e as taxas de juros, não por políticos e cortes nos impostos. Embora o estado da economia americana seja motivo de preocupação séria, há poucos indícios de que a política monetária tenha deixado de funcionar.
Não há nada que justifique jogar fora os ganhos arduamente conquistados em retidão fiscal em troca de um incentivo aos gastos dos consumidores, mesmo porque este pode não ser o momento apropriado para dar esse incentivo. O governo deveria dar ouvidos ao aviso atrasado de Alan Greenspan.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: "Troca" de inflação pode ser "tiro no pé" do PT
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.