São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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ANO DO DRAGÃO

Substituir IGP-M pelo IPCA para corrigir tarifas públicas reduziria indexador, mas custo pode ser desvantajoso

"Troca" de inflação pode ser "tiro no pé" do PT

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Água, luz, gás, telefone. Juntos, os altos reajustes esperados para essas tarifas ameaçam o cumprimento da meta de inflação de 4% -com variação de 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo- para 2003.
O problema provocou a seguinte discussão: valeria a pena substituir o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado, muito afetado pelo dólar) pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) nos contratos de reajustes dessas tarifas?
Importantes bancos fizeram contas na semana passada e dizem que a mudança ajudaria a reduzir o indexador, sim, mas que os custos totais da troca seriam maiores do que as vantagens.
Os reajustes das tarifas públicas administradas, que pesam bastante no bolso do consumidor, deverão ser responsáveis por uma inflação de 3,6% no próximo ano, nas contas de Sandra Utsumi, economista-chefe do BES Investimentos. O percentual representa quase a metade da inflação oficial de 8,1%, medida pelo IPCA, que a economista espera para o ano que vem.
O grande peso dos preços administrados na inflação é explicado pela forma como eles são corrigidos. Pelos contratos firmados entre o governo e as empresas concessionárias de setores como telefonia e energia elétrica, os reajustes são feitos pelo IGP-M, índice que mais sobe quando o câmbio se desvaloriza.

Troca de índices
Na época dos reajustes de preços, entre junho e julho do ano que vem, o IGP-M acumulado em 12 meses estará entre 24% e 27%, nas contas de bancos. Já o IPCA acumulado na mesma época deverá estar em torno de 13%.
Daí a sugestão da troca dos indexadores nos contratos. A proposta já foi defendida por Guido Mantega, economista do PT. O argumento a favor da mudança é que a troca de indicadores garantiria reajustes menores de tarifas, já que o IPCA tem subido bem menos que o IGP-M. Com isso, o impacto dos reajustes sobre a inflação oficial, medida pelo próprio IPCA, também seria menor.
O debate ganhou força nas últimas semanas com a disparada nas expectativas de inflação para 2003. As contas dos economistas mostram que, de fato, a eventual troca resultaria em um IPCA um pouco menor.
Em relatório feito na semana passada, o banco CSFB (Credit Suisse First Boston) conclui que a substituição do IGP-M pelo IPCA nos reajustes de tarifas públicas reduziria em 1,1 ponto percentual a inflação oficial em 2003. Isso reduziria a projeção do banco para o IPCA de 11,2% para 10,1%.
A consultoria econômica do banco Itaú fez a mesma conta, mas considerou apenas as tarifas de energia elétrica e de telefonia, que têm maior peso na inflação. A conclusão é que a troca dos indexadores para essas duas tarifas representaria um IPCA mais baixo em 0,9 ponto percentual.

Desvantagens
Apesar disso, economistas acreditam que a troca de índices não valeria a pena. Isso porque, segundo eles, as desvantagens de se renegociar os contratos não compensariam.
O principal argumento de economistas é que o custo político da renegociação, embora não seja mensurável, seria muito grande.
"A mudança em contratos já negociados representaria uma sinalização muito ruim para investidores externos. Os investimentos nos setores de energia, por exemplo, foram feitos considerando essa forma de reajuste", afirma Luis Afonso Lima, economista do BBV Banco.
O relatório do CSFB ressalta que a mudança tende a significar retornos menores para as empresas dos setores que têm contratos prevendo reajustes pelo IGP-M.
A consequência disso poderá ser investimentos reduzidos dessas empresas e arrecadação tributária menor para o governo.
Além disso, a redução de investimentos pelas empresas aumentaria o risco de nova crise no setor de energia elétrica, como a que ocorreu no ano passado. Isso poderia provocar uma freada na recuperação econômica do país num ano em que é esperada a retomada da atividade por causa do novo governo.
Outro risco apontado por economistas é que uma eventual troca aconteça em um momento em que, justamente, o IGP-M possa estar recuando por conta da apreciação cambial e o IPCA esteja mais pressionado.
Isso porque, o repasse da desvalorização da moeda é quase automático no caso do IGP-M, mas demora mais tempo para atingir o IPCA. Nesse caso, o futuro governo poderia "dar um tiro no pé" se optasse pela mudança.

Soluções
Segundo Lima, uma solução para o problema da pressão das tarifas maiores sobre o IPCA seria o uso do núcleo da inflação, que expurga o efeito desses reajustes. Isso facilitaria "perseguir" a meta de inflação.
Utsumi diz que as expectativas de inflação tendem a recuar. Por isso, para o curto prazo, a economista defende a renegociação, com as empresas, dos prazos de repasse do IGP-M para as tarifas. "O governo talvez consiga negociar a amortização desses reajustes em várias parcelas", diz a economista.


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