São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

A quermesse e o galinheiro


É incompreensível tentar traçar paralelo entre a atual situação brasileira e a dos EUA para a inflação

NA SEMANA passada, o Federal Reserve anunciou que, em vez de uma meta para a taxa de juros de curto prazo (Fed Funds), passará a trabalhar com um intervalo, entre 0 e 0,25% ao ano. Além disso, o Fed divulgou que ampliará sua ação, atuando diretamente no mercado de crédito (expansão quantitativa), o que foi saudado como a prova final do abandono da ortodoxia em favor da experimentação heterodoxa. É um erro, mas, antes de entramos nessas considerações, é necessário entender o motivo dessa mudança: o processo de queda generalizada e persistente do nível de preços, também chamado de deflação.
Consideremos a informação extraída do mercado de títulos públicos. Na semana passada, o papel do Tesouro com vencimento em outubro de 2010 pagava juros em torno de 0,25% ao ano, enquanto sua versão indexada à inflação oferecia um rendimento real na casa de 6% ao ano. Como se trata do mesmo prazo e mesmo risco de crédito, a comparação entre os dois papéis sugere que, numa primeira aproximação, as expectativas de deflação até outubro de 2010 seriam da ordem de 5,4% ao ano.
O gráfico resume a evolução dessas expectativas, mostrando sua mudança brusca a partir de setembro. Tal fenômeno gera, no entanto, um grave problema para a política monetária: como o Fed não pode fixar uma taxa nominal de juros negativa (pois os agentes têm a opção de guardar sua riqueza sob a forma de moeda), mesmo o intervalo entre 0% e 0,25% implica juros reais bastante elevados. Nesse contexto, mais que heterodoxia, a expansão quantitativa é o que sobra depois de esgotadas as alternativas e, diga-se, não deu muito certo quando o Japão entrou em deflação.
Na verdade, como mostrou Paul Krugman, esse tipo de atuação tem mesmo pouca chance de funcionar. A melhor alternativa para um banco central nessas circunstâncias consistiria em se comprometer com uma meta de inflação baixa, porém positiva. Nesse caso, à medida que as expectativas de inflação retornem ao terreno positivo, as taxas reais de juros cairiam e a política monetária voltaria a ter condições de estimular a economia.
Assim, a rigor, a recomendação de política econômica aparentemente mais adequada para lidar com um problema gravíssimo pouco se afasta do regime adotado pela maior parte dos bancos centrais sérios, isto é, o regime de metas para a inflação, embora os desafios em períodos de deflação sejam mais complicados do que enfrentam economias ainda sujeitas à inflação. Obviamente, em face das dificuldades, o Fed vai tentar todas as alternativas, mesmo as que têm pouca chance de sucesso, como trazer o juro para zero.
Trata-se, em última análise, de atuação compreensível à luz do sério problema deflacionário. O incompreensível é tentar traçar qualquer paralelo com a atual situação brasileira, que, ao contrário dos EUA, ainda contempla expectativas de inflação para os próximos dois anos praticamente iguais à meta, muito longe do perigo deflacionário. Só não vê a diferença a quermesse, ainda com dificuldade para saber de que lado está o galinheiro.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe do Banco Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com



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