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Presentes de Natal e dona Hebe
ALOYSIO BIONDI
A sociedade brasileira acabou
ganhando o seu grande presente
de Natal. É assim que deve ser
vista a aliança entre empresariado e movimentos sindicais respeitáveis, clamando por mudanças para reativar a economia e
combater o desemprego. Não se
trata de um movimento apenas
para reduzir as taxas de juros,
como as manchetes, enganosamente, estão levando a acreditar. Não é isso. Após quatro anos
de silenciosa aceitação da destruição da economia nacional,
lideranças empresariais, sindicais e políticas estão agora exigindo que o governo Fernando
Henrique Cardoso tenha aquilo
que nunca teve, isto é, uma política econômica. É pena que as
manchetes sejam equivocadas.
Elas estão encobrindo, exatamente, a transformação mais
importante que levou ao pacto.
Ao longo dos últimos quatro
anos, o debate sobre os rumos da
economia se concentrou exclusivamente em dois aspectos, a taxa
de juros e o valor do real, atribuindo-se a eles todos os problemas do país. A taxa de juros virou um fetiche nacional, responsabilizada pela queda no consumo, nas vendas e na produção.
Nunca foi verdade -tanto que,
repita-se mais uma vez, as taxas
de juros cobradas no financiamento de vendas de carros sempre foram baixíssimas, na faixa
de 3,5% a 4% ao ano, e, em alguns momentos, na faixa de mero 1%, e a produção do setor
também está encalhada.
A queda no consumo nacional,
a recessão têm outra origem, a
saber, a perda do poder aquisitivo da população, provocada por
fatores como o desemprego (resultante por sua vez de importações desenfreadas), o achatamento dos vencimentos do funcionalismo, os reajustes ridículos
do salário mínimo, a queda brutal na renda dos agricultores e a
perda de mercados, de faturamento, pelas empresas atingidas
pelas importações. A obsessão
com as taxas de juros impedia
que se enxergasse o cenário real
-afirmação que pode ser facilmente comprovada quando se
lembra que, ainda em setembro,
acreditava-se que a redução de
impostos provocaria aumento
nas vendas de carros, ao barateá-los. Ignorava-se a perda do
poder aquisitivo da população
como real origem dos problemas.
Agora, isso mudou. Um excelente presente de Natal para a sociedade. Traz a esperança de correção de rumos no segundo mandato presidencial. O caminho
não é apenas reduzir juros, mas
adotar medidas que aumentem
a renda e o poder de consumo.
²
Na França
Até outubro, a França reduziu
em 10% o déficit do governo,
contrariando as previsões pessimistas de críticos neoliberais e
conservadores. A França não aumentou impostos nem reduziu
despesas para combater o rombo. Ao contrário. Seu governo
deu prioridade à criação de empregos, reduziu impostos e subsidiou, mesmo, a contratação
-sobretudo de jovens. A economia reagiu, a arrecadação cresceu, o rombo caiu.
²
A agricultura
Nos EUA, a seca destruiu colheitas em alguns Estados. O governo indenizou os produtores
(mesmo sem existir seguro, no
caso), desembolsando US$ 5 bilhões. No paupérrimo Peru, o governo Fujimori fez o mesmo, no
ano passado, após violentas
inundações em regiões agrícolas.
Aqui no Brasil, até hoje o seguro agrícola não foi criado. O fenômeno La Niña, confirmando
as advertências, está destruindo
colheitas de feijão, milho e soja,
atingidas pela seca, no Sul do
país. Reembolsar os produtores é
garantir renda, poder de consumo. Incompatível com o "ajuste
fiscal" exigido pelo FMI? Com
criatividade, tudo se resolve. Se
esses (pequenos, sobretudo) produtores receberem empréstimos
de emergência para serem quitados somente daqui a três anos,
esse dinheiro não precisará ser
"contabilizado" nas contas do
governo. Quem emprestaria?
Bancos oficiais, Caixas Econômicas estaduais. Os governadores precisam ser mobilizados para um plano de emergência pró-
agricultura.
²
Solidariedade
Campanha para doação de livros usados organizada por
uma emissora de TV arrecadou
milhões de exemplares. Ficou patente, mais uma vez, um fenômeno: o Brasil é um país onde os governantes só pensam em projetos
caríssimos, que envolvem despesas do Tesouro -porque desprezam, ridicularizam mesmo a
participação coletiva. Um vício
que se repete em segmentos da
sociedade, à direita e à esquerda.
A "direita" considera que "não
se deve ajudar muito os pobres,
porque eles acabam fazendo corpo mole". A esquerda é contra o
"paternalismo", que, no seu entender, seria "contra-revolucionário". Hora de relembrar: na
crise do começo dos anos 80, a
apresentadora de TV Hebe Camargo angariou donativos e os
enviou, em um caminhão, a uma
cidadezinha do ABC paulista
onde havia centenas de chefes de
família desempregados. A distribuição dos donativos foi impedida por Igreja e sindicatos, para
os quais "o trabalhador precisa
de emprego, não de doações".
Hoje essas atitudes certamente
são coisas do passado. Com a recessão, o desemprego brutal, a
miséria previstos para 1999, há
lugar para a mobilização coletiva que minore problemas da população pobre e desempregada.
O trabalho voluntário, a articulação de Organizações Não- Governamentais surge como prioridade para quem é solidário.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve às
quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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