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OPINIÃO ECONÔMICA
Complexo de vira-lata
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Um dos fatos mais significativos da semana foi, como se sabe,
o início de uma reação da indústria nacional à recessão e à
política de juros altos. O ato público realizado na última segunda- feira na Fiesp deu uma dimensão do grau de insatisfação e
até de revolta que prevalece
atualmente no setor produtivo
brasileiro.
O tema já foi objeto de muito
comentário, mas queria tomá-lo
como gancho para tratar de uma
questão de natureza mais estrutural. Em seu discurso no evento
de segunda-feira, o presidente da
Fiesp, Horacio Lafer Piva, manifestou a convicção de que a mudança do país depende de "mais
auto-estima". A observação, feita de passagem e em tom despretensioso, toca num ponto fundamental, numa verdadeira ferida
aberta.
Muito do que aconteceu na
área da política econômica, em
termos de agressão ao interesse
nacional e desnacionalização,
desde os tempos de Collor, só foi
possível porque o brasileiro vem
atravessando uma gigantesca
crise de auto-estima. A experiência traumática de uma longa
instabilidade econômica e muitos anos de intensa propaganda
antinacional produziram efeito
poderoso e desagregador.
É verdade que um pouco de autocrítica não faz mal a ninguém.
Mas o brasileiro está realmente
indo longe demais. Fomos levados a assumir uma visão limitada e negativa do nosso país e das
suas possibilidades. Convenceram-nos de que o Brasil está condenado a ter um papel secundário e periférico no mundo, de que
o nosso destino é sermos caudatários dos modelos, opiniões e
valores produzidos pelos países
mais adiantados.
Vocês vão dizer que a falta de
auto-estima do brasileiro não é
nenhuma novidade. De fato, nos
anos 50, Nelson Rodrigues já falava do nosso "complexo de vira-
lata". "O brasileiro", dizia ele,
"é um Narciso às avessas, que
cospe na própria imagem".
Mas, nos anos recentes, esse
complexo de vira-lata, essa rejeição sistemática de tudo que é nacional ganhou proporções inusitadas, mesmo para padrões brasileiros. Passamos a ser governados por "importadores de consciência enlatada", para usar expressão do manifesto antropofágico de Oswald de Andrade. E esquecemos que os países em desenvolvimento têm que estar
sempre em guarda contra "a verdade dos povos missionários,
mentira muitas vezes repetida".
Foi-se o tempo em que os intelectuais brasileiros se dedicavam
à elaboração de mitos construtivos como o da antropofagia. O
que tivemos nos anos 90 foi a
prostração, supersticiosa e ignorante, diante de ícones estrangeiros como o "Consenso de Washington", a "globalização" e outras fabricações do gênero.
O melhor comentário recente
sobre essas questões é do economista Carlos Lessa, em entrevista publicada no livro "Visões da
Crise", recém-lançado pela editora Contratempo e organizado
por Adhemar Mineiro, Luiz Antônio Elias e César Benjamin.
Lessa observa, com razão, que a
construção de qualquer projeto
de futuro para o Brasil tem como
pré-requisitos fundamentais a
identidade nacional e a auto-estima. Sem isso, diz ele, um povo
deixa de ser sujeito da própria
história e acaba passando à condição de material etnográfico.
É uma ilusão imaginar que as
dificuldades brasileiras serão superadas pela macroeconomia,
com discussões sobre juros, câmbio, déficits e tributação. Como
observa Lessa, sem enfrentar a
nossa colossal crise de auto-estima e de identidade não vamos
chegar a lugar nenhum.
Continuaremos à mercê dos
"importadores de consciência
enlatada"encastelados no governo federal.
Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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