São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Crise grande, apatia maior


Americanos são contra pacote de ajuda a quem pode perder casa e estatização provisória de bancos e enfrentam crise com estoicismo


POUCO MAIS DE metade dos americanos discorda da ajuda que Barack Obama quer oferecer aos americanos que ora enfrentam dificuldades para pagar a prestação de suas casas -metade dos eleitores democratas também refuta a medida. É o que dizem pesquisas de opinião.
A maioria dos americanos parece pois adepta das teses, acadêmicas e/ou políticas, que atribuem aos indivíduos toda ou a maior parte da responsabilidade pela sua condição social e econômica. Grosso modo, para os ideólogos de tal opinião, num mercado quase sem "falhas", com "incentivos corretos", sem intervencionismos "distorcivos" e com algumas equalizações sociais mínimas, o endividado ou o fracassado em geral, o "loser", fez escolhas erradas e/ou irresponsáveis.
Ainda segundo pesquisas de opinião desses últimos dez dias, pouco mais da metade dos americanos aprova que o governo "assuma" a gestão de bancos a fim de conter o agravamento da crise, mas apenas cerca de um terço admite que o governo controle o capital das instituições financeiras. Isto é, cerca de um terço concorda com a estatização provisória, embora seja difícil saber o que o grosso das pessoas entenda sobre tais distinções e as implicações da cada medida.
A equipe econômica de Obama, por sua vez, titubeia ou não é clara a respeito do que fazer para conter degradação ainda maior no sistema financeiro. Tem dúvidas, digamos, "ideológicas", não apenas práticas. Teme a pecha de "estatizante", "socialista" e outras acusações doidas.
Obviamente está fora de questão que empresas e bancos fiquem na mão do governo (e, de resto, estatizar não é nenhum sinal de progresso). Mas mesmo a ideia do mal necessário da estatização provisória pega mal, para nem falar das dúvidas intrínsecas e mais "técnicas" a respeito da eficácia da medida para conter a crise. Surgiu até uma expressão para evitar o palavrão começado com "e"(de estatização): "pré-privatização".
Enfim, a própria equipe econômica de Obama, quase toda clintoniana, foi parte daquilo que um dia se chamou de "Terceira Via" -na verdade, tais economistas eram a ponta-de-lança dessa "via", em grande parte um consenso economicista sobre o que fazer do mundo. Enfim, eram dos partidos de centro e centro-esquerda do mundo rico que reconheciam, nos anos 90, a vitoriosa onda liberal e que nada de muito diferente tinham a dizer sobre economia, Estado, filosofia política e social. No máximo, tratava-se de conter radicalismos liberais abilolados e/ou ineptos.
Não há aparentemente alternativas fortes, viáveis e ao mesmo tempo razoáveis para essa reposição da "Terceira Via" que ora parece ser Obama. Também por ora não se vê revolta política derivada da crise -talvez o nível de vida e os sistemas de proteção social dos países ricos sejam um colchão macio o bastante para amortecer mesmo um ou dois anos de recessão feia. Há muita conversa (em parte fiada) sobre regulação, mas quase nada sobre distribuição de riqueza. Em suma, parece haver pouca alternativa e disposição para mudar um sistema que deu em desastre financeiro, não elevou as taxas de crescimento econômico e não distribuiu riqueza.

vinit@uol.com.br


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