São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

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Crise no Leste Europeu eleva risco global

Depois de boom de investimento externo e crescimento, região vive maior turbulência desde a queda do Muro de Berlim

Moedas de Polônia e Hungria derretem, e analistas fazem comparações com a crise asiática; problemas da região ameaçam Europa e EUA

NELSON D. SCHWARTZ
DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS

Desde a queda do Muro de Berlim (1989), os países da Europa Oriental emergiram como aliados importantes dos EUA na região, abraçando o capitalismo ocidental e tomando empréstimos vultosos dos bancos da Europa Ocidental para financiar sua ascensão.
Agora a conta está vencendo.
O boom de desenvolvimento que transformou Polônia, Hungria e outros ex-satélites soviéticos em alguns dos mercados mais quentes da Europa está perto de entrar em colapso, levantando novos riscos preocupantes para o sistema financeiro global.
Na semana passada, Wall Street afundou após a agência Moody's ter alertado que bancos ocidentais que recentemente entraram na região enfrentam agora "pousos forçados", assustando investidores com a possibilidade de que essa exposição possa se espalhar para além da Europa.
"Há um efeito dominó", diz Kenneth S. Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI. "Mercados de crédito internacionais estão conectados, e uma crise de crédito crescente na Europa Oriental e nos países bálticos pode fazer com que títulos da Prefeitura de Nova York desabem."
O perigo está em muitas frentes. As grandes economias europeias já estão em recessão, e muitos de seus grandes bancos cortaram o crédito.
Para a Europa Central e Oriental, que desfrutaram de crescimento vertiginoso graças a uma onda de crédito desses bancos, o aperto não poderia ter vindo em pior hora. Já machucadas pela crise global, estão à beira de uma espiral descendente enquanto o fluxo de crédito vai secando. A média de crescimento entre os países da região recuou para 3,2% no ano passado, de 5,4% em 2007. Neste ano, a previsão é de contração de 0,4% -mas deve ser ainda pior que isso.
Some-se a isso um novo temor: de que a pior crise econômica da região desde a queda do Muro de Berlim pode contaminar as moedas locais, com ecos da crise financeira asiática do final dos anos 1990. Na época, mercados emergentes como a Tailândia tomaram emprestado em moedas estrangeiras para estimular o crescimento, mas repentinamente deviam mais do que podiam pagar após a desvalorização cambial.
Desde seu pico no último verão [europeu, inverno no Brasil], a moeda polonesa derreteu 48% contra o euro; a da Hungria caiu 30%; e a da República Tcheca, 21%. "Muito simplificadamente, a Europa Oriental tornou-se a versão europeia do mercado "subprime" [créditos de segunda linha]", diz Robert Brusca, da FAO Economics.
Os bancos centrais de Polônia, Hungria, Romênia e República Tcheca tentaram restaurar a calma ao lançarem comunicados dizendo que as quedas recentes não se justificam pelos fundamentos da economia.
Além disso, bancos ocidentais podem sofrer novo aumento de empréstimos inadimplentes. "A maioria dos bancos na região é de países da zona do euro e terá de receber mais recapitalização", diz Gillian Edgeworth, economista do Deutsche Bank em Londres.
Outro problema é que grandes investidores institucionais na Europa Ocidental -bancos, fundos de pensão, seguradoras- têm muitos papéis de dívida da Europa Oriental. Se esses bancos precisarem de mais infusão de capital dos governos ocidentais, já sobrecarregados com pacotes de estímulo e manutenção de redes de proteção social, o euro poderá ser ainda mais pressionado.
Com a crise piorando pelo continente, diz Rogoff, a aversão ao risco pode se espalhar rapidamente a outras partes do mundo. Investidores afetados pelos mercados cadentes na Europa estão tendo de vender ativos americanos para levantar dinheiro, aumentando a pressão no mercado dos EUA.
Entre as principais vítimas da crise estão dezenas de milhares de trabalhadores que vislumbraram um caminho de maior prosperidade e agora veem o sonho desmoronar com a erosão do mercado de trabalho e do sistema financeiro.
Como suas moedas declinantes encarecem a importação de bens e o pagamento das dívidas externas, os governos da região cortaram gastos e reduziram serviços públicos, gerando protestos cada vez mais violentos que ameaçam os governos.
Na sexta-feira, a coalizão governista na Letônia tornou-se o segundo governo europeu, depois da Islândia, a colapsar.
Em Kiev, capital da Ucrânia, manifestantes tomaram as ruas na sexta para protestar enquanto correntistas corriam aos bancos locais para sacar.
A crise forçou o FMI a intervir. Em meses recentes, concedeu a Ucrânia, Islândia, Hungria e Letônia bilhões em ajuda. "Estou esperando uma nova onda de países batendo à minha porta", disse Dominique Strauss-Kahn, diretor do FMI.
Há dois anos, "a ideia projetada de forma muito consistente era de que o FMI não teria de ajudar os mercados emergentes novamente" e de que "os mercados financeiros se encarregariam disso", disse Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, na sexta-feira. Agora, disse, isso se mostrou "totalmente falso".
Simon Johnson, do MIT, diz não esperar a repetição da Grande Depressão, mas prevê período longo de baixo crescimento como a "década perdida" do Japão, nos anos 1990, nos EUA e na Europa.


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