São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Um FMI heterodoxo?


Não iria tão longe; mas não há dúvida de que a crise abalou as doutrinas econômicas tradicionais

O FMI divulgou, nos últimos dias, dois trabalhos que indicam mudanças significativas nas análises e nas recomendações da instituição. Parece existir agora disposição de rever e até abandonar algumas ortodoxias antigas e arraigadas, que vinham sendo criticadas pelo Brasil e por outros países em desenvolvimento.
Muito do que lá está não é novidade para nós, brasileiros. Mesmo assim, na condição de subdesenvolvido nato e hereditário, dei os célebres arrancos triunfais de cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues. Afinal, em muitos meios influentes no Brasil, o que é dito em inglês -e pelo FMI- adquire imediatamente ares de profunda sabedoria.
Os trabalhos ("Rethinking Macroeconomic Policy" e "Capital Inflows: The Role of Controls") estão disponíveis na página do FMI na internet. O leitor notará que eles carregam a ressalva de que as opiniões são dos autores, não devendo ser atribuídas ao FMI, nem à sua diretoria-executiva ou à sua administração. Mas são trabalhos preparados por economistas da casa, publicados e amplamente divulgados pela instituição. Um dos autores do primeiro é o renomado professor Olivier Blanchard, atual economista-chefe do Fundo.
Um aspecto que chama a atenção é o questionamento de metas de inflação muito baixas (a maioria dos principais bancos centrais tem 2%, ou algo próximo, como alvo da política monetária). "Inflação média mais alta e, portanto, taxas nominais de juro mais altas no começo da crise teriam possibilitado cortar mais as taxas de juro e assim, provavelmente, diminuir a redução do produto e a deterioração das posições fiscais", lê-se no estudo coassinado por Blanchard. A questão que os autores colocam é se, em tempos normais, os responsáveis pela política econômica não deveriam buscar metas de inflação mais altas: "Os custos líquidos de uma inflação de, digamos, 4% são muito mais altos do que os de uma inflação de 2%, a meta corrente? É mais difícil ancorar as expectativas em 4% do que em 2%?", perguntam os economistas do Fundo.
Quando cheguei aqui no FMI, em 2007, o corpo técnico da instituição recomendava que o Brasil reduzisse a meta de inflação (e estreitasse o intervalo de confiança). O Ministério da Fazenda não aceitou a sugestão. A meta de inflação permanece até hoje no nível em que estava na época: 4,5%, com intervalo de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, em torno do centro da meta.
Outro aspecto notável é o reconhecimento de que os controles sobre os movimentos de capital podem ter papel importante a desempenhar. Em determinadas circunstâncias, reconhecem os economistas do Fundo, restrições ao ingresso de capital são um "componente legítimo" da política econômica.
Até há pouco, a visão que prevalecia aqui no FMI sobre controles de capital era muito mais negativa, mesmo hostil. Em 1997, alguns dos principais acionistas do Fundo queriam até transformar a liberalização dos fluxos de capital em obrigação estatutária dos países-membros da instituição, proposta que foi derrotada com a contribuição do Brasil.
Um FMI heterodoxo? Não iria tão longe. As mudanças ainda estão em andamento. Mas não há dúvida de que a crise internacional abalou profundamente as estruturas ideológicas dominantes e as doutrinas econômicas tradicionais.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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