São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Lula na inércia da história do Brasil


No auge do poder, presidente limita-se a animar platéias enquanto o país é carreado pela economia mundial


LULA ESTÁ no auge do poder político. Recém-reeleito, popular, à testa do conservadorismo de coalizão nacional, domina o Congresso. Afastou ainda mais o PT do centro do poder. Removeu-o para bem perto da periferia dos partidos pedintes -todos, afora o que restou da oposição. A seu modo, Lula reedita o cesarismo presidencial brasileiro, líder quase isolado que é da barganha social e do escambo com o centrão do Congresso, o bloco conservador amorfo que agrega a maioria parlamentar faz 20 anos.
Pela primeira vez, a base eleitoral de Lula e a dos parlamentares petistas divergiu, em 2002. Por vários caminhos, Lula se isola do PT. Tirou vantagem dupla da crise que devastou a imagem do partido e decepou os capitães do primeiro mandato.
Primeiro, ganhou com a queda do PT. A identidade política do PT havia sido triturada na campanha de 2002, quando Lula atestou que dobrara a espinha petista até a penúltima vértebra e fizera o partido renegar quase todo o seu programa histórico. O PT foi liqüidificado no mensalão. Seus líderes mais fortes perderam poder. O partido perdeu a credibilidade e o resto da coerência -embora a coerência nem seja uma virtude. Lula ficou mais só. Gostou.
Segundo, ganhou com o colapso da crise política mensaleira, que também foi o da oposição e cercanias, envolvidas que estavam em rolos semelhantes aos do petismo.
Mas o que Lula faz do auge do seu poder? Deixará alguma mudança?
Na economia, satisfez à finança e à massa mais informe e desamparada do povo, coincidentemente mais preocupadas com rendas do Estado e com inflação baixa do que com emprego e crescimento. Levou até o limite o programa de conciliar e satisfazer, com fundos públicos, todas as demandas que conseguem se afirmar politicamente na esfera pública. É o que vem sendo feito por todos os governos desde os 80, política que resultou em inflação, aumento da dívida e/ou dos impostos.
Lula se beneficia do sistema econômico criado pela reforma liberal imperfeita e pela abertura econômica e financeira, processo que começou aos bocadinhos em 1988-89, foi ao pico em 1996-97 e minguou com a ruína do governo FHC, em 2001.
A economia de Lula é carreada pela maior onda mundial de crescimento de produção e de crédito em 30 anos. Por outro ciclo histórico de alta de preços de produtos básicos de exportação brasileiros. A valorização das commodities e juros altos (que reforçam o real) vergaram a inflação, que pendeu para baixo também graças à queda de preços no resto do mundo. Commodities em alta e crédito farto e barato levaram o país a abater a dívida externa.
Em parte importante, a economia de Lula foi, pois, produzida pelos economistas e pelo sistema de poder fernandino, por banqueiros centrais do planeta, por aumentos de produtividade sino-americanos e pelos mandarins do crescimento chinês e seu exótico dirigismo capitalista.
Um filósofo da esquerda paulistana disse certa vez de FHC que o presidente seria figura "decorativa", sujeito que era às injunções da política e da economia globais. Nem era bem verdade, mas o que dizer de Lula? Que é o que parece ser em presepadas de posses ministeriais e discurseiras, um animador de auditório?

vinit@uol.com.br


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