São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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Ineficiência estatal trava avanço no álcool

Burocracia, normas inadequadas, falta de pessoal e de incentivo fiscal impedem desenvolvimento da "geração 2.0" do biocombustível

Comercialização de projeto de cana transgênica está emperrada e não há previsão de quando o produto sairá do laboratório

IURI DANTAS
SHEILA D'AMORIM

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de seis anos de pesquisa e milhões de dólares investidos para desenvolver cana transgênica, o grupo Votorantim e um consórcio de usineiros de São Paulo acumulam mais perdas que ganhos.
Apesar de a variedade ter produtividade 80% maior, a comercialização empacou por conta da burocracia brasileira e não há previsão de quando o produto poderá sair do laboratório. Pior: os problemas estruturais do país impedem até mesmo a patente nacional dos genes que foram desenvolvidos, que precisam ser registrados em escritórios na Europa e nos Estados Unidos.
"O respeito à propriedade intelectual no Brasil é meio avacalhado. A fiscalização nem se fala, e, se procurar o Judiciário, demora, é muito lento. CD pirata basta copiar e vender. A cana, nem precisa copiar, é só pegar a muda", disse Fernando Reinach, diretor de Novos Negócios da Votorantim.
A situação vivida pela Votorantim e pelo CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) ilustra a dificuldade que a iniciativa privada tem para investir em uma das principais bandeiras da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e atingir a "geração 2.0" dos biocombustíveis -considerado o próximo salto na área.
Burocracia, falta de pessoal, normas inadequadas e até a falta de incentivos fiscais do governo federal são travas apontadas por especialistas e reconhecidas pelo governo. Os problemas se concentram na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), no Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) e no Ministério da Agricultura.
A "geração 2.0" de biocombustíveis representa uma cana-de-açúcar mais adaptável a áreas degradadas, resistente a pragas e de necessidade menor de água. No caso do biodiesel, sementes que gerarão uma quantidade maior de óleo.
Hoje, o avanço brasileiro concentra-se no desenvolvimento de variedades de cana adaptadas às condições geográficas e climáticas dos locais onde estão as maiores lavouras.
São melhoramentos genéticos sem a inserção de genes de culturas diferentes. A especialidade nacional está em separar os melhores "pais" na colheita para chegar a "filhos" mais eficientes. No entanto, especialistas são unânimes em apontar o uso de transgênicos como ferramenta necessária para um salto rápido e sustentado à chamada "geração 2.0".
O problema é que a demora em aprovar pesquisas -14 a 16 meses- ou conceder autorização para uso comercial -mais de oito anos- quase anula as chances de investimentos.
"Essa demora gera risco grande. Que empresa vai investir em pesquisa sem ter certeza de que usará comercialmente o produto que vai desenvolver? Há até risco de ver empresa estrangeira comprar o produto e perdermos a patente", disse Alda Lerayer, secretária-executiva do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia).
Para a Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), o ritmo da CTNBio prejudica o setor. "Um entrave hoje certamente é a CTNBio. Do jeito que está, é impossível. Entre desenvolver uma variedade de laboratório e conseguir colocá-la no mercado, vão dez anos de burocracia", apontou o secretário-geral da entidade, Fernando Moreira Ribeiro.

Mudança de quórum
Na quarta-feira, o presidente Lula indicou redução na lista de problemas ao sancionar lei reduzindo de 18 para 14 pessoas o quórum necessário para aprovar pedidos comerciais. A comissão possui 27 integrantes.
A mudança era pedida por cientistas e empresários, mas foi criticada por ambientalistas. A ONG Greenpeace chegou a tumultuar a sessão da CTNBio na quinta-feira, resultando no adiamento da reunião para o mês que vem.
"Somos contra todo tipo de transgênico por princípio. Estamos montando um monstro, um Frankenstein, e só vamos saber a conseqüência quando ele estiver com todos os parafusos", disse Judson Barros, representante da ONG Funáguas.
Estudioso de álcool e cana há 27 anos, o pesquisador Luis Inácio da Silveira, da Universidade de Viçosa (MG), critica a atitude dos ambientalistas.
"Não tem de ter raiva da transgenia. É uma realidade que vamos ter de buscar, principalmente por causa do aquecimento global", disse.
Segundo a CTNBio, os pedidos de pesquisa estão tramitando em ritmo normal. O único gargalo estaria nos pedidos comerciais, porque a cada mês entra um número considerável de solicitações, informou a assessoria de imprensa do ministério da Ciência e Tecnologia.
Mesmo com a mudança do quórum, o problema continua pelo excesso de procedimentos. Exemplo: as pesquisas em andamento precisam enviar relatórios periódicos para aprovação. Como não há pessoal, sobra trabalho e os papéis aguardam avaliação.
"Esse é o grande pepino que temos hoje, em que a CTNBio trava o processo: consigo criar o material genético em laboratório, mas não consigo levar a campo", disse Tadeu Andrade, diretor do CTC.
Outra trava na obtenção do biocombustível 2.0 foi o sinal enviado pelo governo ao conceder incentivos fiscais só para o plantio de mamona, criando assimetria fiscal, na avaliação do coordenador do Pólo Nacional de Biocombustíveis da USP.
"O que se concede para uma cultura tem de dar para as outras. Isso é política de governo. Mas não é a melhor estratégia do ponto de vista de negócios. Isso diminuiu a velocidade dos investidores interessados em biodiesel no Brasil", disse.
"Fizemos 30 anos de investimento. Sabemos plantar, há material genético, tem a tecnologia da indústria, mas temos de voltar a ser competitivos. Por que digo isso? Daqui a dez anos vai haver outra tecnologia que vai afetar nosso negócio. Vamos comprar ou desenvolver?", indagou.

Patentes
Responsável pelo registro de marcas e patentes, o Inpi atingiu somente neste mês o padrão internacional no tempo de análise dos pedidos que recebe.
Uma solicitação de marca depositada hoje deverá ser analisada em um ano e meio, em vez dos cinco anos em média apurados em 2004. No caso de patente, serão quatro anos para pedido feito hoje, contra o dobro de tempo há três anos.
O presidente do instituto, Jorge Ávila, aponta duas outras travas ao desenvolvimento do setor de biocombustíveis: 1) o excesso de procedimentos, graus de recurso e exigências burocráticas no curso de um processo; e 2) a ausência de previsão legal para patentes de microorganismos ou fragmentos de seres vivos, como células.
Outro problema foi apontado pelo diretor de Agroenergia do Ministério da Agricultura, Ângelo Bressan: não há acompanhamento sobre as pesquisas em andamento, seja de álcool ou de biodiesel.


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