São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Torta de maçã


É este o cenário atual na economia americana: para uma crise "made in USA", soluções "made in USA"

A ATUAL crise americana é genuinamente "made in USA".
Nas anteriores, dos anos 1980 e 1990, havia fatores externos, sendo o principal deles a alta do petróleo.
Desta vez, apesar da coincidência da alta do petróleo, a crise foi produzida por um problema local, a oferta indiscriminada de crédito imobiliário, sem garantias suficientes para os bancos que emprestavam o dinheiro.
Quando, afinal, os investidores se deram conta da fragilidade do sistema de crédito, a bolha estourou e muitos bancos foram obrigados a reconhecer fortes perdas em seus balanços. Isso provocou descrença, alguns bancos sofreram corridas de seus investidores e tiveram de ser socorridos. O consumidor, assustado, refreou o ímpeto de comprar e a economia começou a entrar em rota de recessão.
O problema do crédito é uma das pernas da crise americana. A outra é na área externa. No ano passado, o déficit comercial dos EUA, provocado pela explosão de importações, somou US$ 712 bilhões, sendo US$ 256 bilhões no intercâmbio com a China. Nem o país que emite dólares pode conviver com um buraco desse tamanho. Por causa das importações, mais de 3 milhões de empregos foram fechados na indústria do país desde o ano 2000.
Para onde vai a crise americana?
No curto prazo, o presidente Bush, que já arruma as malas, baixou pacote tributário com ajuda de US$ 160 bilhões para tentar incentivar o consumo. O Fed realizou três cortes nos juros, que hoje estão em 2,25% ao ano, abaixo da inflação. Depois, para oferecer liquidez ao mercado, fez o seu primeiro Proer e poderá fazer outros, com o objetivo de socorrer instituições financeiras em dificuldade e evitar um efeito dominó entre elas. O próprio presidente do Fed, Ben Bernanke, disse certa vez (em 2002) que o banco central poderia jogar dólares sobre Wall Street de helicóptero se fosse necessário. E lembrou que "os EUA têm rotativas" para emitir tantos dólares quanto necessários a custo zero.
No médio prazo, entra o fator eleições. O próximo presidente americano será Hillary Clinton, Barack Obama ou John McCain, por enquanto. As chances dos três, atualmente, são quase iguais. Não há muita diferença entre eles em matéria de planos para enfrentar a crise.
Hillary e Obama, os dois pré-candidatos democratas, apóiam a ampliação de pacotes com incentivos fiscais. Hillary se intitula "candidata da classe média" e promete um governo generoso na área tributária, moratória para mutuários inadimplentes, limite para juros nos cartões de crédito e subsídios para exportadores. Obama fala em corte imediato de impostos para trabalhadores e bônus para aposentados. McCain, um conservador "light", promete governo enxuto, corte de impostos e disciplina fiscal.
Outro ponto em comum entre os três candidatos é o protecionismo comercial. Democratas são normalmente mais protecionistas. Mas, seja quem for o presidente, tenderá a voltar-se aos problemas domésticos e proteger o mercado da concorrência externa para atenuar a recessão.
É este o cenário atual na economia americana: para uma crise "made in USA", soluções "made in USA". Segundo o "Wall Street Journal", o americano "se empanturrou" com o crédito para a compra de casa própria, uma coisa que "já foi vista como tão americana quanto torta de maçã". O problema é que o mundo inteiro agora tem de ajudar os americanos a digerir essa torta.
O Brasil deve se precaver, até porque tudo isso já provocou instabilidade nos preços das commodities, mas não pode se apavorar a ponto de apelar para maluquices conservadoras, como restrições ao crédito e aumento de juros.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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