São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2010

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Grécia, Alemanha, Europa


O risco é que uma contração fiscal, em muitos países e ao mesmo tempo, precipite uma segunda recessão na Europa

HOJE E amanhã haverá reunião de cúpula da União Europeia. A Grécia é o tema central. O leitor poderá perguntar: como é possível que a Grécia, sendo tão pequena, possa ser origem de tantos problemas?
Não há mistério. Na vida de cada um de nós, pequenos incidentes, às vezes mínimos, podem dar origem a enormes tragédias. Da mesma forma, no campo econômico, um pequeno país ou uma única instituição financeira (vide Lehman Brothers) pode desencadear crises de proporções continentais e até mundiais.
A situação da Europa é frágil. A economia está mais ou menos estagnada, depois de passar por uma grande recessão em 2009. A crise grega, se continuar sendo mal administrada pelos europeus, tem potencial para levar a um segundo mergulho na recessão.
A Grécia é um caso extremo em termos de dificuldades fiscais e de financiamento. Mas pelo menos mais quatro economias da área do euro (Espanha, Irlanda, Itália e Portugal) parecem estar se defrontando com graves problemas. Os mercados passaram a olhar as dívidas de países europeus com crescente nervosismo e suspeita. O nervosismo dos investidores alimenta o conservadorismo econômico de alguns países, notadamente da Alemanha.
Esse quadro está levando (ou irá levar) não só a Grécia e outros países vulneráveis, mas também o Reino Unido, a França e a Alemanha a um movimento mais ou menos simultâneo de ajustamento das contas públicas, envolvendo cortes de gastos e/ou aumentos de impostos. O risco é que uma contração fiscal, em muitos países e ao mesmo tempo, precipite uma segunda recessão na Europa -com impactos em outras partes do mundo.
Um contrarremédio seria um afrouxamento da política monetária do Banco Central Europeu -a forma mais rápida de tentar neutralizar o impacto recessivo das políticas fiscais. Isso parece estar sendo antecipado pelos mercados e vem provocando uma depreciação do euro. Essa depreciação é bem-vinda para as economias estagnadas da área do euro- ela é, na verdade, um dos principais canais de transmissão da política monetária expansiva.
Porém, como dizia um filósofo grego pré-socrático, Anaxágoras: "Tudo está em tudo". Tudo se liga, tudo se comunica. A desvalorização do euro em relação ao dólar prejudica a incipiente recuperação americana. Os americanos (assim como os britânicos) precisam que suas moedas se depreciem em relação às dos principais parceiros comerciais.
O euro (assim como o nosso real) vinha dando a sua contribuição. Se o euro agora passa a perder valor, os Estados Unidos terão de recrudescer a sua campanha para que a China aceite alguma apreciação do yuan. Não por acaso, o barulho já se intensificou nas semanas recentes com governantes, congressistas e acadêmicos dos Estados Unidos pedindo em coro, e com incrível coordenação, que a China permita a valorização da sua moeda. Os chineses, por enquanto, nada.
Nessa confusão, parece que os alemães deram um passo na direção certa.
A julgar pelo noticiário, tudo indica que a Alemanha reconheceu, finalmente, que a Grécia precisa de apoio externo, em grande escala, e que a melhor solução é combinar um programa do FMI com ajuda financeira europeia.
Solução óbvia, mas que os europeus, por orgulho e autossuficiência, estão (ou estavam) demorando demais a aceitar, agravando a crise desnecessariamente.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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