São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Palmas para o Brasil

BENJAMIN STEINBRUCH

Mais de 50 anos depois de sua criação, decorrente da campanha nacionalista mais importante da história brasileira, a Petrobras anunciou na última sexta-feira que o Brasil alcançou a auto-suficiência em petróleo.
Não poderia haver coincidência maior. No mesmo dia, o petróleo estava cotado no mercado internacional em US$ 75 o barril, o nível nominal mais alto da história. Nos anos 1970, a participação do petróleo importado oscilou entre 80% e 90% do volume consumido no país. Por conta dessa dependência absurdamente elevada, o país quebrou duas vezes, depois das crises do petróleo de 1973 e 1979.
Os avanços ocorridos na prospecção e na exploração de petróleo nesses anos todos são uma lição para muitos brasileiros que costumam virar o nariz para campanhas que valorizam o sentimento nacional.
No último fim de semana, ao ler a notícia sobre a auto-suficiência, cheguei a um número inacreditável. Se o Brasil tivesse ainda a dependência externa naqueles níveis dos anos 1970, estaria hoje novamente quebrado. Suponha-se que o país tivesse de importar ainda cerca de 85% do petróleo consumido internamente. Isso exigiria a compra de 1,5 milhão de barris diários. Com o petróleo a US$ 75 o barril, os gastos diários com importações atingiriam US$ 112,5 milhões por dia. Acredite se quiser: US$ 41 bilhões por ano, uma conta impagável.
A última arrancada dos preços do petróleo tem a ver com a crise do Irã, grande exportador do produto que investe no enriquecimento de urânio e ameaça a estabilidade mundial. Mas o nível atual de preços dessa commodity energética se explica muito mais por outro fator: a crescente demanda mundial de matérias-primas liderada pela China.
O efeito China domina a economia mundial há mais de dez anos. Aquele país é um consumidor voraz de matérias-primas para uma indústria cuja produção cresce cerca de 20% ao ano. Os preços do cobre, por exemplo, triplicaram desde 2000. Tendências semelhantes afetam zinco, níquel e até o ouro, metais não-ferrosos que atingiram na semana passada níveis de preço nunca antes registrados no mercado internacional. O uso crescente do etanol para substituir combustíveis derivados do petróleo ajuda a impulsionar o preço do açúcar.
Detalhe importante nessa história é que não existe no horizonte nenhuma ameaça de contenção desse ritmo frenético de crescimento da economia mundial. Até o Japão, depois de mais de uma década de estagnação, retomou o crescimento. Assim, todas as previsões indicam que a demanda de matérias-primas deverá continuar em expansão durante pelo menos três ou quatro anos. As fontes dessas matérias-primas são escassas na Europa e nos Estados Unidos. Elas estão na Rússia, no Oriente Médio, em alguns países africanos e na América Latina, principalmente no Brasil.
A conquista da auto-suficiência em petróleo deve servir de estímulo para o país. Nas últimas décadas, o Brasil saiu da condição de medíocre produtor de petróleo -era alvo de piadas quando produzia apenas 170 mil barris/dia nos anos 1970 - para um nível em que passou a ser referência internacional no setor, detentor da mais avançada tecnologia de exploração em águas profundas. Isso foi fruto de trabalho, investimentos e do desenvolvimento persistente de tecnologia nacional. O mesmo caminho está aberto para a exploração das outras potencialidades brasileiras, como as reservas minerais e os recursos naturais abundantes.
Com exceção das obtidas no esporte, as conquistas nacionais são infelizmente tratadas com apatia e até desprezo, em razão de uma empáfia inexplicável que leva o brasileiro a considerar fora de moda valores como nacionalismo e patriotismo. Comportamento civilizado, neste momento em que a conjuntura internacional continua a conspirar a favor do Brasil, seria a união de forças, independentemente de tendências políticas, para maximizar investimentos para preservação e aproveitamento sustentável dos recursos do país.
Proezas como a auto-suficiência do petróleo não pertencem a pessoas ou governos. São conquistas nacionais, que devem ser festejadas e apresentadas como exemplos que sirvam para expurgar de vez o complexo de inferioridade que nos persegue há décadas.


Benjamin Steinbruch, 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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