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ARTIGO
Protecionismo demonstra desdém dos EUA pelo mundo
PAUL KRUGMAN
No começo do governo Reagan, trabalhei por um ano no
Conselho de Assessores Econômicos da Presidência. Durante esse
período pude observar, com desilusão, a maneira como a política
econômica é realmente determinada. Mas uma surpresa favorável
foi a seriedade com que os funcionários norte-americanos encaravam os nossos acordos internacionais de comércio.
O governo Reagan, a despeito de sua retórica favorável ao livre comércio, estava bastante disposto a proteger setores econômicos em busca de benefício político; o exemplo mais notável foi a restrição "voluntária" às exportações de
carros japoneses. Ainda assim, havia uma regra firme no sentido de
que as intervenções precisavam
ser "legais nos termos do Gatt
[Acordo Geral de Tarifas e Comércio]", ou seja, não podiam violá-lo
(o Gatt, de lá para cá, foi incorporado às regras da Organização
Mundial do Comércio). E esse respeito escrupuloso foi mantido até
o final dos anos Clinton. Todos compreendiam que havia certas
coisas que não se faz, não importa o quanto possam ser convenientes
em termos de vantagem política de curto prazo.
Naqueles dias, pessoas responsáveis dirigiam nossa política econômica internacional. Quando o governo Bush impôs tarifas pesadas sobre o aço importado, tornou-se claro que isso deixou de ser verdade. Em termos econômicos,
a tarifa do aço não tem muita importância. Mas ela demonstra um
desprezo sem precedentes pelas regras internacionais.
A ameaça imediata é que outras nações contra-ataquem; a União
Européia ameaçou impor tarifas retaliatórias, e no começo da semana Brasil, China, Coréia do Sul e Japão anunciaram que poderiam adotar medidas semelhantes
(Bush realmente unificou o mundo, pelo menos quanto a essa questão). Mas, como um sábio especialista em comércio internacional me disse certa vez, o maior
perigo quando os Estados Unidos violam as regras não é a retaliação, mas a emulação: se não honrarmos os tratados comerciais, quem há de?
Por que precisamos de acordos
de comércio internacional, aliás?
Os custos que as tarifas e as cotas
de importação impõem aos consumidores domésticos quase sempre superam os ganhos que elas
propiciam aos produtores internos. Mesmo assim, se não tivéssemos acordos de comércio internacional, o protecionismo usualmente venceria. Os consumidores
não compreendem que são prejudicados pelas tarifas sobre o aço
ou cotas de importação de açúcar,
mas os setores siderúrgico e de
açúcar sabem exatamente o que
estão ganhando.
O motivo para que consigamos
manter nosso comércio relativamente livre é que o mundo -sob
a liderança dos Estados Unidos-
desenvolveu um sistema que opõe
o interesse dos exportadores ao
poder de setores que prefeririam
não ter de competir contra importados. Cada país concorda em
aceitar as exportações de outros
países, em troca de acesso aos
mercados deles. Na linguagem das
negociações de comércio internacional, as partes desse tipo de
acordo fazem "concessões", mas o
verdadeiro propósito das concessões é proteger-nos contra nossos
maus instintos.
O sistema depende da proposição de que acordo é acordo. Um
país que tenha, digamos, concordado em permitir importações de
aço não recuará em sua promessa
simplesmente porque houve uma
mudança nos ventos políticos. Os
acordos de comércio internacional incluem circunstâncias especiais sob as quais tarifas temporárias são permitidas, mas as condições que a elas se aplicam usualmente são bastante restritivas.
E a indústria siderúrgica claramente não atendia a essas condições. As importações de aço vinham caindo. Quando Bush decidiu conceder à siderurgia a proteção que ela desejava, estava dizendo -como o fez em muitas outras
áreas- que as regras não se aplicam aos mais fortes.
O governo diz que só defende os
interesses dos EUA. Robert Zoellick, representante do governo
para assuntos de comércio internacional, disse que "o tio Sam não
será um mau tio para essas pessoas". Mas se você acredita que isso tenha a ver com o interesse nacional, tenho uma ameaça terrorista contra a ponte de Brooklyn
que você talvez queira comprar.
Tudo gira em torno de política
crua e míope -a mesma política
que fez com que o governo revogasse o crucial acesso dos países
do Caribe aos mercados americanos, com efeitos devastadores para suas economias, a fim de ajudar
um único deputado da Carolina
do Sul. No caso do aço, Karl Rove
ponderou os três votos da Virgínia
Ocidental no colégio eleitoral em
comparação com o sistema mundial de comércio construído ao
longo dos últimos 60 anos, e a resposta aparentemente é óbvia.
Bush em breve terá a autoridade
para promover acordos de comércio internacional -o "fast
track"-, de que ele diz precisa para negociar novos tratados comerciais. Mas de que valem os novos
acordos se não honrarmos os anteriores?
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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