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LUÍS NASSIF
O risco da argentinização
Governar o Brasil não é tarefa para amador. É importante que o exemplo da Argentina não seja utilizado para satanizar candidatos, mas é
fundamental que o risco de "argentinização" do país não seja
minimizado.
A crise argentina decorreu de erros de condução de política
econômica, que tiraram a legitimidade dos governantes, destruindo a base política e inviabilizando sucessivos presidentes.
O federalismo argentino foi completamente desmontado pela incapacidade do Executivo de se legitimar e orquestrar os diversos grupos de interesse.
A manutenção da governabilidade é desafio político, mas
que sofre reflexos do quadro
econômico. A incipiente democracia brasileira avançou muito
nos últimos anos, permitiu o
aparecimento de novos poderes,
em detrimento dos poderes do
Executivo. Do ponto de vista da
democracia, é bom. Do ponto de
vista da governabilidade, ao enfraquecer o Executivo, passou a
exigir de qualquer presidente da
República enorme habilidade
para amarrar alianças sem
comprometer a condução da
economia.
Grosso modo, o sistema de poder no país é formado pelos seguintes grupos de influência:
1) Executivo;
2) poder político, representado
pelos partidos, pelo Congresso e
pelos governadores -que, às
vezes, podem ter interesses conflitantes entre si;
3) mídia, em parceria com
procuradores federais;
4) Poder Judiciário, atuando
como uma espécie de moderador;
5) opinião pública em seu sentido mais amplo, englobando
não apenas a opinião pública
em geral como a base de apoio
dos candidatos e demandas sociais e salariais comprimidas.
Além de o Executivo não dispor mais do poder absoluto, os
anos 90 consagraram mecanismos infra-constitucionais de deposição de governantes que tornaram sua posição bastante
vulnerável. Se não dispuser de
forte base de apoio política ou
popular, bastará a divulgação
de um escândalo, ou de um processo ainda que não fundamentado, a ampliação do "escândalo" pela mídia, orquestrando o
chamado "clamor das ruas", de
maneira a servir de base para
que a oposição abra uma CPI
seguida de impeachment. Trata-se de processo puramente político, que não obedece a procedimentos legais capazes de comprovar a culpa ou a inocência
do governante, mas que se
transformou em fator de desestabilização.
Nestes oito anos, FHC não foi
apeado do poder devido à sua
habilidade em constituir maiorias. Um presidente menos habilidoso e politicamente mais frágil não duraria um ano.
O novo presidente terá que se
locomover com extrema competência nesse terreno movediço,
administrando demandas políticas com habilidade, dentro de
uma gestão economicamente
responsável, tendo diante de si
mercados cambial e monetário
extremamente voláteis devido à
dimensão das dívidas interna e
externa. O novo governo terá
que não apenas rolar a dívida
atual como captar mais recursos
para fazer frente ao déficit das
contas externas.
Essa situação cria espaço bastante restrito para o exercício da
política econômica. Numa ponta vai ter que administrar as demandas políticas e sociais; na
outra, as demandas de mercado. Se se descuida do mercado, o
país explode; se se subordina excessivamente a ele, a base de
apoio político se esfarela. O novo presidente terá que desarmar
a bomba-relógio dos juros de
forma gradual, peça a peça, tendo de administrar simultaneamente as demandas políticas internas. Em suma, terá que matar um leão por dia, e isso apenas para manter o nariz fora
d'água.
É desafio que passa pelo modo
como tratar o mercado, definir
política de juros e de câmbio,
atender a aliados, resistir às
pressões da base por mudanças
rápidas inexequíveis. E ainda
há o segundo desafio, que é o de
preparar o futuro.
Aí se exigirão do novo presidente idéias claras sobre políticas de comércio exterior, preparação de um ambiente econômico menos hostil à atividade
produtiva e ao emprego, capacidade de formar alianças em nível global.
Em suma, a campanha eleitoral e a postura do novo presidente serão fundamentais para definir o modelo de país: o de uma economia competitiva ou o de uma nova Argentina.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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