São Paulo, sábado, 25 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

O risco da argentinização

Governar o Brasil não é tarefa para amador. É importante que o exemplo da Argentina não seja utilizado para satanizar candidatos, mas é fundamental que o risco de "argentinização" do país não seja minimizado.
A crise argentina decorreu de erros de condução de política econômica, que tiraram a legitimidade dos governantes, destruindo a base política e inviabilizando sucessivos presidentes. O federalismo argentino foi completamente desmontado pela incapacidade do Executivo de se legitimar e orquestrar os diversos grupos de interesse.
A manutenção da governabilidade é desafio político, mas que sofre reflexos do quadro econômico. A incipiente democracia brasileira avançou muito nos últimos anos, permitiu o aparecimento de novos poderes, em detrimento dos poderes do Executivo. Do ponto de vista da democracia, é bom. Do ponto de vista da governabilidade, ao enfraquecer o Executivo, passou a exigir de qualquer presidente da República enorme habilidade para amarrar alianças sem comprometer a condução da economia.
Grosso modo, o sistema de poder no país é formado pelos seguintes grupos de influência:
1) Executivo;
2) poder político, representado pelos partidos, pelo Congresso e pelos governadores -que, às vezes, podem ter interesses conflitantes entre si;
3) mídia, em parceria com procuradores federais;
4) Poder Judiciário, atuando como uma espécie de moderador;
5) opinião pública em seu sentido mais amplo, englobando não apenas a opinião pública em geral como a base de apoio dos candidatos e demandas sociais e salariais comprimidas.
Além de o Executivo não dispor mais do poder absoluto, os anos 90 consagraram mecanismos infra-constitucionais de deposição de governantes que tornaram sua posição bastante vulnerável. Se não dispuser de forte base de apoio política ou popular, bastará a divulgação de um escândalo, ou de um processo ainda que não fundamentado, a ampliação do "escândalo" pela mídia, orquestrando o chamado "clamor das ruas", de maneira a servir de base para que a oposição abra uma CPI seguida de impeachment. Trata-se de processo puramente político, que não obedece a procedimentos legais capazes de comprovar a culpa ou a inocência do governante, mas que se transformou em fator de desestabilização.
Nestes oito anos, FHC não foi apeado do poder devido à sua habilidade em constituir maiorias. Um presidente menos habilidoso e politicamente mais frágil não duraria um ano.
O novo presidente terá que se locomover com extrema competência nesse terreno movediço, administrando demandas políticas com habilidade, dentro de uma gestão economicamente responsável, tendo diante de si mercados cambial e monetário extremamente voláteis devido à dimensão das dívidas interna e externa. O novo governo terá que não apenas rolar a dívida atual como captar mais recursos para fazer frente ao déficit das contas externas.
Essa situação cria espaço bastante restrito para o exercício da política econômica. Numa ponta vai ter que administrar as demandas políticas e sociais; na outra, as demandas de mercado. Se se descuida do mercado, o país explode; se se subordina excessivamente a ele, a base de apoio político se esfarela. O novo presidente terá que desarmar a bomba-relógio dos juros de forma gradual, peça a peça, tendo de administrar simultaneamente as demandas políticas internas. Em suma, terá que matar um leão por dia, e isso apenas para manter o nariz fora d'água.
É desafio que passa pelo modo como tratar o mercado, definir política de juros e de câmbio, atender a aliados, resistir às pressões da base por mudanças rápidas inexequíveis. E ainda há o segundo desafio, que é o de preparar o futuro.
Aí se exigirão do novo presidente idéias claras sobre políticas de comércio exterior, preparação de um ambiente econômico menos hostil à atividade produtiva e ao emprego, capacidade de formar alianças em nível global.
Em suma, a campanha eleitoral e a postura do novo presidente serão fundamentais para definir o modelo de país: o de uma economia competitiva ou o de uma nova Argentina.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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