São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Próprias culpas

BENJAMIN STEINBRUCH

A revista britânica "The Economist" publica semanalmente um quadro estatístico com os principais indicadores da economia dos 25 países em desenvolvimento, também chamados de emergentes.
Os dados que aparecem na primeira coluna desse quadro deveriam deixar vermelhos de vergonha os brasileiros que tiveram recentemente ou têm hoje alguma responsabilidade no comando da economia do país. É a coluna do Produto Interno Bruto. Dos 25 países, 23 ostentam o sinal mais (+) antes do número que indica a variação do PIB, mostrando que o país está em crescimento. Os únicos dois com sinal menos (-), porque não estão em crescimento, são Brasil e Israel. Se excluirmos Israel da lista, por causa de suas notórias dificuldades decorrentes do conflito bélico no Oriente Médio, chegaremos à conclusão de que o Brasil é o único país emergente que não apresenta expansão econômica.
Todos temos feito um grande esforço para controlar a ansiedade que nos leva a brigar incessantemente por medidas voltadas ao crescimento. Mas, convenhamos, é vergonhoso que o Brasil continue na lanterna entre os países emergentes nessa matéria, quando tem claramente todas as condições para crescer.
Passados mais de 500 dias da administração Lula, não há mais como culpar o governo anterior pela ausência de crescimento. A gestão atual precisa começar a assumir suas próprias culpas. É óbvio que Lula deseja sinceramente a expansão da economia e a criação de empregos. Mas o Banco Central tem cometido erros. Errou em janeiro, quando interrompeu a seqüência de reduções da taxa de juros. O sinal negativo que passou para o mercado mudou completamente o clima de otimismo que pairava na economia depois do bom desempenho do quarto trimestre de 2003. O BC voltou a errar na semana passada, ao manter a Selic em 16%, contra as expectativas do mercado. A redução de 0,25 ponto, esperada por todos, teria mudado quase nada em matéria de custo do dinheiro, mas seria sinalização importante para os brasileiros sedentos de crescimento. Com a manutenção da taxa, que elevou o juro real para absurdos 12,5% ao ano, ficou a impressão de que o BC, ao contrário do discurso oficial dos últimos dias, teme os efeitos da crise internacional na economia interna.
Dito isso, é preciso também observar que não se justifica o clima de apocalipse das últimas semanas. A dureza imposta pela administração ortodoxa serviu para alguma coisa. Os fundamentos da economia brasileira estão hoje muito melhores do que há dois anos. Quem duvida disso pode consultar a própria "The Economist".
O mesmo quadro que mostra o Brasil na lanterna em matéria de crescimento traz uma coluna com os saldos da balança comercial nos 25 países emergentes. O superávit brasileiro nos últimos 12 meses terminados em abril está em US$ 27,4 bilhões. Entre os 25 países, só a Rússia ganha do Brasil, por causa de sua extraordinária exportação de petróleo. O Brasil está em segundo lugar, praticamente empatado com a Indonésia, outro exportador de petróleo. Nesse quesito, nem a poderosa China, nem a Coréia do Sul, nem Taiwan superam o Brasil.
Na linha que indica o saldo em conta corrente externa, o Brasil aparece com superávit de US$ 5,7 bilhões em 12 meses até março. Não está entre os líderes, mas apresenta um número muito favorável em comparação com os de outros dez emergentes, que têm déficit.
É elucidativo comparar os dados do Brasil com os do próprio Brasil de dois anos atrás. Naquela época, as reservas monetárias brasileiras estavam em US$ 36,7 bilhões -hoje, estão em US$ 51,6 bilhões. A balança comercial tinha um superávit de apenas US$ 4,7 bilhões, portanto quase US$ 23 bilhões inferior ao de hoje. Há dois anos, a conta corrente externa apresentava déficit de US$ 19,8 bilhões, numero que, comparado com o superávit atual de US$ 5,7 bilhões, representa uma evolução de US$ 25,7 bilhões.
A situação do país, portanto, melhorou muito. Além dos indicadores externos, internamente observa-se crescimento da produção industrial, das vendas do comércio e até dos empregos. A inflação está sob controle, as contas do governo caminham bem, a arrecadação cresce e o superávit primário se mantém em torno de 5% do PIB.
Não há por que exacerbar os efeitos da crise internacional, que, por ironia, advém de previsões de forte crescimento nos EUA e na China, tendência que, em última análise, ajuda o Brasil. A alta do petróleo também não representa ameaça importante, porque 80% do produto consumido é nacional e a Petrobras tem equilíbrio em sua balança comercial.
Os brasileiros que jogam a favor do Brasil têm a obrigação de brigar por políticas de crescimento. É desanimador ver o Banco Central, mês após mês, adotar comportamento olímpico de quem não está nem aí para recessão, estagnação ou desemprego. Mas, ao se iniciar a campanha eleitoral, também não se podem admitir oportunismos, que amplificam crises em busca de benefícios políticos, na base do "quanto pior, melhor".
Dos políticos, exige-se responsabilidade. Dos empresários, serenidade para não embarcar em campanhas de histeria que possam inflamar o país em um ano eleitoral. Do governo, coragem para manter a rota da redução do custo do dinheiro, oferecer financiamentos, impulsionar investimentos produtivos e, com isso, criar empregos.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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