São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Mal-estar na civilização do petróleo


Petróleo caro enreda num só rolo a crise de crédito, a queda do dólar, o consumo em baixa e a alta da inflação pelo mundo

CAMINHONEIROS britânicos pretendem infernizar o trânsito de Londres com uma parada de mil caminhões a fim de pedir imposto menor para a gasolina. Pescadores franceses bloquearam parte do porto de Marselha e prometem mais confusão -querem diesel subsidiado. Na semana, o petróleo foi ainda motivo de circo populista no Congresso americano, que também quer imposto menor na gasolina e maior nas petroleiras -uma deputada democrata sugeriu até estatizar as empresas. O sururu político-econômico do petróleo tende a piorar.
Richard Berner, economista-chefe do Morgan Stanley, estima que o gasto anual extra do consumidor americano com gasolina vai levar 72% dos US$ 117 bilhões em desconto de impostos previstos para este ano (trata-se daquela isenção projetada para dar um gás no consumo e reduzir os efeitos da crise). Os gastos extras com comida vão levar o resto.
Montadoras e empresas aéreas avisaram que o petróleo caro vai minar lucros e fulminar empregos. A venda de carros nos EUA caiu 10,5% no primeiro quadrimestre de 2008 sobre 2007. Cai o ritmo do consumo de móveis e eletrodomésticos. Houve altas fortes do petróleo após as crises dos anos 70, mas os americanos não estavam tão endividados e descapitalizados como agora.
A discreta mas persistente redução da lucratividade média nos EUA reduz o caixa das empresas; apesar do corte brutal dos juros do Fed, o crédito continua apertado. Essa confluência de escassez já reduziu o investimento, diz Berner. Apesar da propaganda de comentaristas baba-ovo do mercado, as crises de crédito e a imobiliária ainda vão longe.
A taxa de inadimplência nos cartões de crédito no primeiro trimestre ficou no nível da registrada na recessão de 2001, informa o Fed. O calote na prestação da casa própria é o maior desde 1991 (ano de recessão).
Não cresce apenas nos empréstimos "subprime" (ou "ninja: no income, job or assets" -para gente sem renda, emprego ou bens), mas também nas fatias mais nobres do mercado.
O Morgan Stanley prevê que o PIB do primeiro trimestre nos EUA será revisado para cima (de 0,6% para 0,9%, anualizado), mas acredita que a economia entra no vermelho no segundo trimestre (-1,2%). A inflação xifópaga do petróleo e da comida complicou a solução da crise.
O Banco Central Europeu a cada dia é mais sangüíneo a respeito da inflação; a economia européia, ainda que tropece (afora a Alemanha), está melhor que a americana. Isso, em tese, deve dar em juros europeus em alta. De resto, o dinheiro petrolífero não flui tanto para os EUA como nos anos 70. O Oriente Médio mais e mais compra bens e euros dos europeus. Tudo isso, em tese, dá em dólar fraco, mesmo que o Fed venha a suspender o corte de juros.
Dólar fraco e demanda ainda forte no mundo "emergente" em tese devem sustentar o preço do barril (o consumo de petróleo per capita na China é 60% do brasileiro -ainda vai subir). Se o Fed elevar os juros em 2009, a situação não melhora -o cobertor poderia aquecer o dólar, mas deixaria o crédito no frio. A economia global está cheia dessas situações "entre a cruz e a caldeirinha". Não se trata de catástrofe.
Mas são problemas de solução arrastada e politicamente inflamáveis.

vinit@uol.com.br


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