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MARCOS CINTRA
A função dos impostos
A ênfase na extrafiscalidade dos tributos, ainda que seja legítima, vem se sobrepondo aos seus objetivos fiscais
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OS CRÍTICOS dos impostos não-declaratórios sobre movimentação financeira, mais
especificamente ao projeto do Imposto Único, afirmam que, por serem gerais, universais e com estrutura simplificada de alíquotas, o governo perde a capacidade de calibrar
o sistema de acordo com seus propósitos e de praticar políticas econômicas seletivas. Daí surge uma questão: afinal, qual é a função dos impostos?
Ao longo dos tempos, os tributos
passaram a ter funções extrafiscais.
Passou-se a acreditar que a redistribuição de renda e de riqueza, pela
cobrança punitiva de impostos dos
mais eficientes e mais poderosos, seria sua função essencial. O ativismo
governamental e a política econômica keynesiana enfatizaram o papel dos impostos, e da isenção deles,
como meios para alcançar o desenvolvimento econômico. Ecologistas
e sanitaristas passaram a usar o sistema tributário como forma de proteção do ambiente e de punição para
infratores. Planejadores urbanos e
regionais enxergam no sistema tributário mecanismos de indução para alcançar objetivos socialmente
desejáveis. Agricultores querem a
reforma agrária pela tributação dos
latifúndios. Instituições policiais
enxergam nos impostos uma forma
de identificar meliantes.
Em suma, todos procuram no sistema tributário solução de seus problemas. Em 2001, o então secretário
da Receita Federal, Everardo Maciel, disse: "Isso serve apenas para
demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos
imprevisíveis, ditados por razões
fortuitas ou motivos insondáveis".
A ênfase na extrafiscalidade dos
tributos, ainda que legítima, vem se
sobrepondo aos objetivos fiscais,
tornando o sistema tributário brasileiro complexo e pouco funcional
em sua função essencial, que é a de
arrecadar recursos para financiar o
Estado. A estrutura tornou-se cara,
ineficiente, corrupta e indutora das
mais variadas formas de evasão.
O formalismo teórico, típico da
burocracia pública e da academia,
que busca identificar os impactos
alocativos e distributivos dos tributos com milimétrica precisão, revela-se cada vez mais ilusório, dado
que construído no campo da alta
abstração. No artigo "Impostos e paradoxos", publicado nesta Folha em
28/4/98, Mangabeira Unger, atual
ministro-chefe da Secretaria de
Planejamento de Ações de Longo
Prazo, abrange a necessidade de
resgatar a função fiscal do sistema
tributário, afirmando que a visão
acadêmica desdobra-se em meio a
"ilusões edificantes e tranqüilizadoras", mas "o mundo é selvagem e
obscuro". O autor afirma que mesmo impostos indiretos, e por que
não cumulativos, podem "gerar
muito dinheiro com pouco desarranjo econômico", ao passo que
impostos diretos e progressivos,
tão caros aos economistas de gabinete, "como o Imposto de Renda
sobre a pessoa física, não produzem a receita necessária. Nem pode fazê-lo, por enquanto, sem acarretar desincentivos, fugas e evasões devastadoras". Unger vai além
e diz que o essencial é gerar "dinheiro para o Estado investir no
social".
É preciso resgatar a função arrecadatória dos impostos no Brasil.
Criar exceções beneficiando esse
ou aquele segmento deforma cada
vez mais o atual "Frankenstein"
tributário brasileiro. Ademais, a
ênfase nesse princípio básico das
finanças públicas deve estar em
sintonia com a realidade da estrutura do país, onde predominam a
absurda complexidade, a brutal sonegação e o elevado custo para os
agentes públicos e privados.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 60,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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