São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Filme velho, final novo


Nas circunstâncias atuais, um eventual ajuste de contas externas não deverá causar os problemas do passado

A RECENTE divulgação das contas nacionais até março de 2008 é um bom ponto de partida para a reflexão acerca do que vem acontecendo no balanço de pagamentos. Nos últimos quatro trimestres tivemos a seguinte composição do PIB: consumo privado, 61%; consumo do governo, 20%; investimentos, 18%; exportações, 13%; e importações, 12%, implicando um superávit externo (exceto juros e dividendos) de 1% do PIB.
Ao final de 2004, o superávit era de 4% do PIB -o mais alto dos últimos anos-, revelando uma redução equivalente a 3% do PIB desde então. Comparando as contas nacionais para o final daquele ano com os dados acima, descobrimos que o consumo privado aumentou em 1% do PIB, enquanto o consumo do governo se manteve em 20% do PIB (ou seja, a poupança se reduziu em 1% do PIB), e o investimento aumentou em 2% do PIB.
Tais números devem esclarecer boa parte dos mistérios acerca do desenvolvimento das contas externas. O país passa por um processo importante de elevação do investimento, que se traduz em elevação gradual de sua capacidade de crescimento. No entanto, se o investimento cresce como proporção do produto, os demais componentes da demanda têm de ceder, isto é, ou o consumo privado cai, ou o consumo público diminui, ou, ainda, o saldo em contas externas se reduz.
Dadas nossas opções de política fiscal, é claro que o consumo do governo não é encarado como variável de ajuste, e, já que ninguém quer reduzir o consumo privado, o que sobra para financiar o investimento é o saldo em conta corrente. Isso, diga-se, não é ortodoxia; é apenas aritmética. Considerando ainda que o investimento deva continuar subindo (assim como o consumo) em ritmo superior ao do PIB, não é difícil prever que -na ausência de um ajuste fiscal digno desse nome- as contas externas continuarão sendo a válvula de escape do processo. Não é por outro motivo que esperamos déficits crescentes à frente. Isso dito, a história recente não associa boas lembranças a déficits externos. Déficits elevados na segunda metade dos anos 70 e 90 passaram por correções bruscas nos anos seguintes, levando à crise da dívida externa no início dos anos 80 e às crises fiscal e financeira na virada do milênio. Será que veremos de novo o mesmo filme?
Acredito que não. A começar porque, ao contrário dos episódios anteriores, não vivemos hoje sob uma taxa de câmbio administrada. Em tais casos, o ajuste do câmbio é geralmente postergado até o limite do desastre. Sob câmbio flexível, porém, caso haja perspectiva de evolução insustentável do déficit, o mercado se encarregará da correção da taxa de câmbio, cabendo ao Banco Central apenas garantir que esta não se traduza em aumento equivalente da inflação, por meio do controle da demanda doméstica.
Além disso, não há mais o grande problema que caracterizou as crises mais recentes: uma elevada dívida em moeda estrangeira. Naquela situação, a mesma variável que trabalhava pelo ajuste das contas externas (o câmbio) implicava forte deterioração das condições fiscais (pelo aumento da dívida pública) e financeiras (pelo seu efeito no endividamento das empresas). Nas circunstâncias atuais, pelo contrário, caso a moeda precise se depreciar, o governo ganharia (1% do PIB a cada 10% de desvalorização), assim como o setor privado, de modo que um eventual ajuste de contas externas não deverá causar os problemas do passado, para decepção daqueles que apostam que o velho filme terá o mesmo final.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com



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