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LUÍS NASSIF
Zagallo e o fracasso glorioso
O sonho de Zagallo é ser Telê de
82. Ele trocaria todos os seus títulos, as quatro Copas, a direção da
maior seleção de futebol do século -a de 70- pela oportunidade
única de uma derrota gloriosa
como a de 1982.
Sua saga é oportuna para algumas considerações sobre um dos
aspectos mais curiosos dos valores nacionais: o desprezo pelo vitorioso e pelos resultados e a apologia do derrotado injustiçado
-algo que já foi batizado de
"fracassomania". Pelé jamais
chegou a ser amado como Garrincha; assim como Zagallo jamais merecerá a reverência prestada a Telê.
Nada contra Telê e sua coleção
de sucessos. Mas o que o consagrou foi o fracasso, foi o fato de
ter perdido a Copa comandando
uma seleção maravilhosa, com
um estilo temerário, não o fato de
ter sido campeão comandando
uma seleção medíocre -como
Parreira. Provavelmente, tivesse
sido campeão, jamais mereceria
a simpatia misericordiosa com
que foi acolhido.
No entanto, sua derrota foi
atribuída ao destino, embora
quase não tenhamos conseguido
passar pelos russos, antes de sermos abatidos pelos italianos.
Fracassados vitoriosos
A história pátria está repleta de
exemplos dessa natureza. Paulo
Afonso, Gurgel, os êmulos da
princesa Anastácia, filha do czar,
os herdeiros do Barão de Cocais,
e todos aqueles que poderiam ter
sido, não fosse o que foram.
Cada um de nós tem uma coleção ampla de "causos" de pessoas
com presumível potencial extraordinário (nunca comprovado), que foram derrotados pelo
que poderia ser denominado genericamente de "destino". São
amadas, provocam solidariedade, porque não têm por que serem invejadas -posto que fracassadas-, em contrapartida
aos legitimamente vitoriosos, cujo sucesso invariavelmente está
cercado de ressalvas.
O fenômeno da idealização é
recorrente na história nacional.
Não se admite o vice-campeonato. Mas quase toda conquista é
minimizada, sob a alegação de
que "poderia ter sido melhor".
A não ser em ocasiões especialíssimas -como no tricampeonato de futebol de 1970-, os sucessos nacionais acabam se constituindo em uma coleção de fracassos, e os fracassos em mais um
motivo para lamúrias sobre o
triste destino nacional.
Idealização
Em parte, deve-se ainda a um
provincianismo profundo, não
erradicado de todo do imaginário nacional, que poderia denominar genericamente de "despeito". Em parte, a um modelo de
Estado que, historicamente, premiou mais as relações políticas
do que os méritos individuais.
Mas, em sua maioria, por uma
espécie de sebastianismo sem resultados, pela busca da idealização jamais alcançada. Se o país
avança dez passos, sempre haverá alguém para dizer: "oh céus ,
oh dia, oh vida, oh azar, não
poderia ter avançado 20?" Se
Parreira vence em 1994, torce-se
o nariz porque não venceu como
em 1970.
Há um desprezo quase ancestral pelo possível, em favor de um
ideal que jamais se concretiza.
Não se buscam resultados, mas
sonhos inalcançáveis, porque resultados exigem responsabilidade, e o sonho é livre; resultados
medem o mérito e sonhos medem
a fantasia.
Esse sentimento seria apenas
uma curiosidade, se não contaminasse todo o espectro de decisões nacionais. Se determinadas
medidas beneficiam o país como
um todo, há que se questionar os
detalhes, dramatizar os meios,
valorizar a retórica e lamentar
não ter sido mais. Pouco importam os resultados.
É esse o drama de Zagallo. O
torcedor e a crítica queriam a
vitória com Edmundo, ainda que
seu desequilíbrio pudesse botar
tudo a perder em uma só jogada;
ou com Denilson, ainda que desarticulando todo o sistema de
defesa.
E Zagallo atende porque não
quer vencer, quer ser amado. Jogou fora as Olimpíadas, colecionou uma série de derrotas pífias,
perseguindo o seu destino: a derrota gloriosa, único passaporte
capaz de garantir sua entrada no
coração do povo brasileiro.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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