São Paulo, quinta, 25 de junho de 1998

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LUÍS NASSIF
Zagallo e o fracasso glorioso

O sonho de Zagallo é ser Telê de 82. Ele trocaria todos os seus títulos, as quatro Copas, a direção da maior seleção de futebol do século -a de 70- pela oportunidade única de uma derrota gloriosa como a de 1982.
Sua saga é oportuna para algumas considerações sobre um dos aspectos mais curiosos dos valores nacionais: o desprezo pelo vitorioso e pelos resultados e a apologia do derrotado injustiçado -algo que já foi batizado de "fracassomania". Pelé jamais chegou a ser amado como Garrincha; assim como Zagallo jamais merecerá a reverência prestada a Telê.
Nada contra Telê e sua coleção de sucessos. Mas o que o consagrou foi o fracasso, foi o fato de ter perdido a Copa comandando uma seleção maravilhosa, com um estilo temerário, não o fato de ter sido campeão comandando uma seleção medíocre -como Parreira. Provavelmente, tivesse sido campeão, jamais mereceria a simpatia misericordiosa com que foi acolhido.
No entanto, sua derrota foi atribuída ao destino, embora quase não tenhamos conseguido passar pelos russos, antes de sermos abatidos pelos italianos.
Fracassados vitoriosos
A história pátria está repleta de exemplos dessa natureza. Paulo Afonso, Gurgel, os êmulos da princesa Anastácia, filha do czar, os herdeiros do Barão de Cocais, e todos aqueles que poderiam ter sido, não fosse o que foram.
Cada um de nós tem uma coleção ampla de "causos" de pessoas com presumível potencial extraordinário (nunca comprovado), que foram derrotados pelo que poderia ser denominado genericamente de "destino". São amadas, provocam solidariedade, porque não têm por que serem invejadas -posto que fracassadas-, em contrapartida aos legitimamente vitoriosos, cujo sucesso invariavelmente está cercado de ressalvas.
O fenômeno da idealização é recorrente na história nacional. Não se admite o vice-campeonato. Mas quase toda conquista é minimizada, sob a alegação de que "poderia ter sido melhor".
A não ser em ocasiões especialíssimas -como no tricampeonato de futebol de 1970-, os sucessos nacionais acabam se constituindo em uma coleção de fracassos, e os fracassos em mais um motivo para lamúrias sobre o triste destino nacional.
Idealização
Em parte, deve-se ainda a um provincianismo profundo, não erradicado de todo do imaginário nacional, que poderia denominar genericamente de "despeito". Em parte, a um modelo de Estado que, historicamente, premiou mais as relações políticas do que os méritos individuais.
Mas, em sua maioria, por uma espécie de sebastianismo sem resultados, pela busca da idealização jamais alcançada. Se o país avança dez passos, sempre haverá alguém para dizer: "oh céus , oh dia, oh vida, oh azar, não poderia ter avançado 20?" Se Parreira vence em 1994, torce-se o nariz porque não venceu como em 1970.
Há um desprezo quase ancestral pelo possível, em favor de um ideal que jamais se concretiza. Não se buscam resultados, mas sonhos inalcançáveis, porque resultados exigem responsabilidade, e o sonho é livre; resultados medem o mérito e sonhos medem a fantasia.
Esse sentimento seria apenas uma curiosidade, se não contaminasse todo o espectro de decisões nacionais. Se determinadas medidas beneficiam o país como um todo, há que se questionar os detalhes, dramatizar os meios, valorizar a retórica e lamentar não ter sido mais. Pouco importam os resultados.
É esse o drama de Zagallo. O torcedor e a crítica queriam a vitória com Edmundo, ainda que seu desequilíbrio pudesse botar tudo a perder em uma só jogada; ou com Denilson, ainda que desarticulando todo o sistema de defesa.
E Zagallo atende porque não quer vencer, quer ser amado. Jogou fora as Olimpíadas, colecionou uma série de derrotas pífias, perseguindo o seu destino: a derrota gloriosa, único passaporte capaz de garantir sua entrada no coração do povo brasileiro.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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