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OPINIÃO ECONÔMICA
Julia e o futebol
BENJAMIN STEINBRUCH
Julia é são-paulina fanática e
viu seu time perder a final da
Copa do Brasil com um gol no último minuto. Na semana passada, amargou mais uma decepção
com o São Paulo e outra com a
derrota da seleção brasileira em
Assunção. Sua maior preocupação, porém, não são as derrotas:
está acostumada com elas e diz
que "futebol é assim mesmo".
Julia preocupa-se muito mais
com a bagunça e a desorganização do futebol. Ela é muito falante. Nos fins-de-semana, toma
umas cervejas no Bar do Zé, no
Tatuapé, e costuma discutir futebol com amigas. Para reunir argumentos, procura acompanhar
programas esportivos do rádio e
da TV. Mas, por mais que se informe, não consegue entender
certas coisas que vêm acontecendo no futebol.
Julia não consegue entender por
que um técnico que era tão competente nos clubes, como Wanderley Luxemburgo, tem se mostrado incapaz de montar uma
equipe na seleção. Experimenta
seguidamente diferentes jogadores, convoca ao sabor de críticas e
lobbies, tenta fazer média, desconvoca por causa de um erro isolado -o zagueiro Aldair, por
exemplo, foi dispensado porque
falhou ao dividir uma bola com o
atacante uruguaio, que fez um
gol. Para o lugar de Aldair, Luxemburgo chamou Edmilson, que
foi colocado numa "fria" ao vestir
pela primeira vez a camisa da seleção num jogo importante.
Julia não consegue entender isso.
Fica nervosa ao lembrar que, dois
anos depois de assumir o comando da seleção, o técnico ainda faz
experiências, em plena fase eliminatória para a Copa.
Julia não consegue entender por
que um técnico que faz críticas
públicas ao caráter dos jogadores
que convoca continua no cargo.
Se fosse presidente da CBF, Julia
já teria trocado Wanderley depois
do jogo contra o Uruguai, quando
o Brasil empatou em 1 a 1. Ela
acha que, sem mudanças estruturais, o Brasil está correndo um risco desnecessário de não ir à Copa
do Mundo de 2002. Depois de fazer cinco jogos, a seleção está em
quinto lugar nas eliminatórias
sul-americanas. E só quatro vão
se classificar.
Julia não consegue entender como, com tanto técnico bom no futebol brasileiro, a CBF insiste com
esse, que, apesar de bem-intencionado, não está dando certo. Ela
acha que, se o Brasil perder amanhã da Argentina, Luxemburgo
deveria pedir demissão.
Julia não consegue entender um
monte de coisas no futebol. Nada
a irrita mais do que a bagunça e a
insegurança dos estádios. Ela
sempre gostou de ver jogos no
Morumbi e Pacaembu, mas ultimamente só fica na televisão. A
última vez que entrou num estádio foi há dois anos, quando o São
Paulo ganhou o título paulista de
98 num jogo contra o Corinthians. Sofreu muito. Estacionou
o carro longe do estádio, mas teve
de morrer com R$ 10 para o flanelinha.
Julia não consegue entender por
que se continua permitindo a
ação dos guardadores de carros
ao lado dos estádios. Ela não aceita ter de pagar mais caro para estacionar o carro na rua do que
para entrar no estádio.
Julia também não consegue entender a lógica dos ingressos de
futebol. Na última vez que foi ao
Morumbi, chegou um pouco tarde e não conseguiu ingresso para
as arquibancadas. Pela primeira
vez na vida, comprou uma numerada. Quis esbanjar. Tinha certeza de que o São Paulo seria campeão e não queria perder a festa.
Mas, ao chegar às numeradas,
descobriu que as cadeiras não tinham números. "Ué, mas aqui
não é a numerada?", perguntou
ao porteiro. "É, mas a numerada
também não tem número, pode
sentar onde quiser", respondeu o
funcionário.
Julia não consegue entender como a numerada pode ser sem número. Assim como não entende
por que a CBF é tão incompetente
para organizar o Campeonato
Brasileiro. Este ano, o campeonato terá 25 clubes, entre eles o Gama e o Botafogo. Julia acha absurdo que, depois de tanta discussão e ações na Justiça, os dois clubes tenham razão. Ela acha que,
se o Gama ficasse na primeira divisão, o Botafogo deveria cair e vice-versa.
Julia também não consegue entender o que aconteceu na escolha
da sede da Copa do Mundo de
2006. Ela torcia pelo Brasil, é claro, mas achava que a África do
Sul seria escolhida. Cansou de ouvir falar que a Fifa queria estimular o futebol na África, que a Copa poderia ajudar muito esse país
com receitas de turistas e investimentos em infra-estrutura. Mas,
na hora H, ganhou a Alemanha,
que já foi sede da Copa em 1974 e
que é um país rico e não precisa
dos investimentos e dividendos
proporcionados pelo torneio.
Julia não entende mais nada de
futebol.
Benjamin Steinbruch, 47, empresário,
é presidente dos conselhos de administração da Valepar e da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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