São Paulo, terça-feira, 25 de julho de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Julia e o futebol

BENJAMIN STEINBRUCH

Julia é são-paulina fanática e viu seu time perder a final da Copa do Brasil com um gol no último minuto. Na semana passada, amargou mais uma decepção com o São Paulo e outra com a derrota da seleção brasileira em Assunção. Sua maior preocupação, porém, não são as derrotas: está acostumada com elas e diz que "futebol é assim mesmo".
Julia preocupa-se muito mais com a bagunça e a desorganização do futebol. Ela é muito falante. Nos fins-de-semana, toma umas cervejas no Bar do Zé, no Tatuapé, e costuma discutir futebol com amigas. Para reunir argumentos, procura acompanhar programas esportivos do rádio e da TV. Mas, por mais que se informe, não consegue entender certas coisas que vêm acontecendo no futebol.
Julia não consegue entender por que um técnico que era tão competente nos clubes, como Wanderley Luxemburgo, tem se mostrado incapaz de montar uma equipe na seleção. Experimenta seguidamente diferentes jogadores, convoca ao sabor de críticas e lobbies, tenta fazer média, desconvoca por causa de um erro isolado -o zagueiro Aldair, por exemplo, foi dispensado porque falhou ao dividir uma bola com o atacante uruguaio, que fez um gol. Para o lugar de Aldair, Luxemburgo chamou Edmilson, que foi colocado numa "fria" ao vestir pela primeira vez a camisa da seleção num jogo importante.
Julia não consegue entender isso. Fica nervosa ao lembrar que, dois anos depois de assumir o comando da seleção, o técnico ainda faz experiências, em plena fase eliminatória para a Copa.
Julia não consegue entender por que um técnico que faz críticas públicas ao caráter dos jogadores que convoca continua no cargo. Se fosse presidente da CBF, Julia já teria trocado Wanderley depois do jogo contra o Uruguai, quando o Brasil empatou em 1 a 1. Ela acha que, sem mudanças estruturais, o Brasil está correndo um risco desnecessário de não ir à Copa do Mundo de 2002. Depois de fazer cinco jogos, a seleção está em quinto lugar nas eliminatórias sul-americanas. E só quatro vão se classificar.
Julia não consegue entender como, com tanto técnico bom no futebol brasileiro, a CBF insiste com esse, que, apesar de bem-intencionado, não está dando certo. Ela acha que, se o Brasil perder amanhã da Argentina, Luxemburgo deveria pedir demissão.
Julia não consegue entender um monte de coisas no futebol. Nada a irrita mais do que a bagunça e a insegurança dos estádios. Ela sempre gostou de ver jogos no Morumbi e Pacaembu, mas ultimamente só fica na televisão. A última vez que entrou num estádio foi há dois anos, quando o São Paulo ganhou o título paulista de 98 num jogo contra o Corinthians. Sofreu muito. Estacionou o carro longe do estádio, mas teve de morrer com R$ 10 para o flanelinha.
Julia não consegue entender por que se continua permitindo a ação dos guardadores de carros ao lado dos estádios. Ela não aceita ter de pagar mais caro para estacionar o carro na rua do que para entrar no estádio.
Julia também não consegue entender a lógica dos ingressos de futebol. Na última vez que foi ao Morumbi, chegou um pouco tarde e não conseguiu ingresso para as arquibancadas. Pela primeira vez na vida, comprou uma numerada. Quis esbanjar. Tinha certeza de que o São Paulo seria campeão e não queria perder a festa. Mas, ao chegar às numeradas, descobriu que as cadeiras não tinham números. "Ué, mas aqui não é a numerada?", perguntou ao porteiro. "É, mas a numerada também não tem número, pode sentar onde quiser", respondeu o funcionário.
Julia não consegue entender como a numerada pode ser sem número. Assim como não entende por que a CBF é tão incompetente para organizar o Campeonato Brasileiro. Este ano, o campeonato terá 25 clubes, entre eles o Gama e o Botafogo. Julia acha absurdo que, depois de tanta discussão e ações na Justiça, os dois clubes tenham razão. Ela acha que, se o Gama ficasse na primeira divisão, o Botafogo deveria cair e vice-versa.
Julia também não consegue entender o que aconteceu na escolha da sede da Copa do Mundo de 2006. Ela torcia pelo Brasil, é claro, mas achava que a África do Sul seria escolhida. Cansou de ouvir falar que a Fifa queria estimular o futebol na África, que a Copa poderia ajudar muito esse país com receitas de turistas e investimentos em infra-estrutura. Mas, na hora H, ganhou a Alemanha, que já foi sede da Copa em 1974 e que é um país rico e não precisa dos investimentos e dividendos proporcionados pelo torneio.
Julia não entende mais nada de futebol.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente dos conselhos de administração da Valepar e da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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