São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O FMI em tempos de eleição

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nas últimas semanas, temos visto toda uma movimentação no sentido de prorrogar o acordo do Brasil com o FMI, que termina em 13 de dezembro deste ano. Fala-se muito em um acordo de transição, que envolveria entendimentos entre o FMI, o atual governo e os principais candidatos à Presidência.
É difícil que um acerto desse tipo possa ser anunciado antes da eleição, sobretudo antes do segundo turno, por mais "maduros", "responsáveis" ou "realistas" que possam ser (ou parecer) os candidatos mais cotados. A dinâmica da disputa eleitoral não favorece a divulgação de negociações desse tipo.
Depois da eleição, e mesmo antes da posse do novo governo, a questão é diferente. Tudo indica que nenhum dos quatro principais postulantes tentará evitar um acordo com o FMI.
A revista "Estudos Avançados", do Instituto de Estudos Avançados da USP, a ser lançada agora em agosto, publicará entrevistas com esses candidatos a respeito do relacionamento internacional da economia brasileira. Uma das questões feitas a eles foi a seguinte: "O atual acordo do Brasil com o FMI vence em 2002. O senhor acredita que ele deve ser renovado?".
Nenhum dos entrevistados teve a audácia de responder negativamente. José Serra declarou-se, como seria de esperar, favorável à renovação do acordo. Ciro Gomes, lacônico, limitou-se a responder que "o FMI não é um bicho-papão". Lula, o mais reticente, fez críticas à atuação do FMI, mas não descartou um acordo. Para Anthony Garotinho, "a herança econômica que o governo FHC vai deixar é tão grave que dificilmente a próxima administração escapa de uma prorrogação e revisão do acordo com o FMI".
Garotinho tocou na ferida. O risco, contudo, é que a negociação de um novo acordo com o FMI constitua um dos canais de enquadramento do novo governo no fracassado modelo econômico em vigor.
Repare, leitor, o caráter paradoxal da situação que estamos vivendo. O FMI é co-autor da "herança econômica" que FHC deixará. O governo brasileiro se encontra, desde fins de 1998, sob a tutela direta do Fundo. Mesmo antes, a política econômica do governo FHC estava, em linhas gerais, bastante bem ajustada às diretrizes do chamado Consenso de Washington.
Os resultados ficaram aquém do esperado, para dizer o mínimo. O eleitorado brasileiro, cansado de desculpas, evasivas e conversa fiada, quer mudanças na economia. Sintomaticamente, nem mesmo o candidato do governo assume com convicção a defesa da atual política econômica.
E, no entanto, o fracasso tende a se auto-reproduzir. As próprias vulnerabilidades econômico-financeiras geradas ou agravadas durante o período FHC -a dependência em relação a capitais estrangeiros, a suscetibilidade da economia a choques externos, a fragilidade das contas públicas- criam condições para tentar forçar o próximo governo, mesmo que eleito em oposição ao atual, a render-se à orientação econômica preconizada pelo eixo Wall Street-Washington.
Mas, se isso acontecer, leitor, o nosso direito de escolha terá sido literalmente cassado. E o povo brasileiro poderá considerar-se vítima de um gigantesco estelionato eleitoral.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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