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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Ainda a reforma da Previdência

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Chegamos finalmente à hora da verdade na questão da previdência pública. No Brasil de Lula presidente, para cada servidor do governo na ativa, temos outro gozando dos benefícios da aposentadoria. Na prática, são duas folhas de pagamento para manter o setor público funcionando. Os recursos gastos mensalmente com os aposentados representam, em alguns casos, mais de 30% dos orçamentos públicos. Temos hoje, como exemplos vivos das irresponsabilidades passadas, aposentados milionários que acumulam várias aposentadorias simultâneas, como se estivessem preparados para morrer várias vezes.
Por esse lado, a questão da reforma da Previdência leva o cidadão comum -que é quem paga os impostos que hoje financiam esse buraco cavado pela irresponsabilidade dos homens públicos no passado- a defender uma posição de radicalismo extremado. Como pode a maioria dos brasileiros pagar impostos altíssimos para financiar as aposentadorias milionárias de uns poucos privilegiados?, perguntamos todos. Essa é a motivação principal da proposta fiscalista apresentada inicialmente pelo governo, com o objetivo central de resolver seus problemas de caixa: atender os clamores populares e as demandas dos mercados.
Mas uma outra face dessa angustiante questão precisa também ser colocada com coragem pelas pessoas de bom senso. O Brasil precisa de um Estado eficiente e livre da praga da corrupção, para termos futuro como nação. Precisamos ter na Polícia Federal, na Receita Federal, no Banco Central, no Judiciário, nas escolas e nas universidades públicas profissionais que ganhem bem e tenham regras decentes para quando se aposentarem.
O emprego público tem características bem diferentes e muito mais complexas das que regem o emprego no setor privado. O governo é um empregador monopolista nas chamadas carreiras típicas de Estado, o que retira do funcionário público a liberdade de buscar outras alternativas profissionais de melhor remuneração. O mesmo não ocorre com as carreiras de natureza administrativa, como a de motoristas, secretárias e outros cargos comuns ao setor privado. Não se pode tratar coisas diferentes como se fossem iguais.
Até hoje as regras que regem os funcionários públicos não incorporam essa realidade. Fernando Henrique Cardoso foi nosso primeiro dirigente a entender isso e a ter coragem de explicitar o tratamento diferente de carreiras diferentes. É do que trata o chamado PL-9, que o Congresso engavetou e o PT decidiu, por questões políticas, ignorar nas suas propostas.
Essa falta de clareza no encaminhamento da reforma da Previdência, agravada ainda pelo discurso demagógico e inviável da chamada previdência única para todos -dos juízes às companheiras cortadoras de cana, como disse nosso presidente-, criou a verdadeira marcha da insensatez, que vivemos hoje na Câmara dos Deputados, em Brasília. De um lado, a proposta bancada pelo governo e que desconsidera a questão da funcionalidade do serviço público e procura resolver apenas a questão do buraco orçamentário do governo federal e dos Estados; de outro, criado por esse vazio de racionalidade e clareza, os eternos interesses corporativos e de natureza eleitoral procurando manter privilégios. Com o governo enfraquecido pela fragilidade de sua proposta, abriu-se espaço para a negociação política da pior natureza. Corremos o sério risco de chegarmos, ao final, com um cavalo com chifres, pés de pato e rabo de camundongo.
Aprendi, durante meus anos de governo federal, que um dos maiores riscos no setor público é tentar trocar a racionalidade pela esperteza. O desastre nessas situações é inevitável, se não no curto prazo, certamente no futuro. Temo que esse seja o grande risco de hoje. O PT revela, a cada dia que passa, essa tendência perigosa de governar pela esperteza. Seus membros acreditam que podem enganar a todos nós com a ambiguidade de suas ações e palavras. Não podem e vão se dar mal com esse comportamento.
A forma como o PT está tratando a questão dos funcionários atuais e aqueles que serão contratados no futuro é um exemplo dessa busca da esperteza. Incapaz de vencer as resistências à implantação de uma previdência única para os trabalhadores privados e públicos -seu verdadeiro sonho de consumo político-, está caminhando para uma solução esperta. Preserva as garantias e privilégios dos funcionários atuais e acena com um sistema inviável para o futuro, mas que lida com o imaginário igualitário de suas promessas.
Pode ser uma solução viável por um certo tempo, mas joga para o futuro o problema que vivemos hoje. Como fizeram os militares e os governos democráticos até o aparecimento de Fernando Henrique.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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