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OPINIÃO ECONÔMICA
Ainda a reforma da Previdência
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Chegamos finalmente à hora da verdade na questão da
previdência pública. No Brasil de
Lula presidente, para cada servidor do governo na ativa, temos
outro gozando dos benefícios da
aposentadoria. Na prática, são
duas folhas de pagamento para
manter o setor público funcionando. Os recursos gastos mensalmente com os aposentados representam, em alguns casos, mais
de 30% dos orçamentos públicos.
Temos hoje, como exemplos vivos
das irresponsabilidades passadas,
aposentados milionários que acumulam várias aposentadorias simultâneas, como se estivessem
preparados para morrer várias
vezes.
Por esse lado, a questão da reforma da Previdência leva o cidadão comum -que é quem paga
os impostos que hoje financiam
esse buraco cavado pela irresponsabilidade dos homens públicos
no passado- a defender uma posição de radicalismo extremado.
Como pode a maioria dos brasileiros pagar impostos altíssimos
para financiar as aposentadorias
milionárias de uns poucos privilegiados?, perguntamos todos. Essa
é a motivação principal da proposta fiscalista apresentada inicialmente pelo governo, com o objetivo central de resolver seus problemas de caixa: atender os clamores populares e as demandas
dos mercados.
Mas uma outra face dessa angustiante questão precisa também ser colocada com coragem
pelas pessoas de bom senso. O
Brasil precisa de um Estado eficiente e livre da praga da corrupção, para termos futuro como nação. Precisamos ter na Polícia Federal, na Receita Federal, no Banco Central, no Judiciário, nas escolas e nas universidades públicas
profissionais que ganhem bem e
tenham regras decentes para
quando se aposentarem.
O emprego público tem características bem diferentes e muito
mais complexas das que regem o
emprego no setor privado. O governo é um empregador monopolista nas chamadas carreiras típicas de Estado, o que retira do funcionário público a liberdade de
buscar outras alternativas profissionais de melhor remuneração.
O mesmo não ocorre com as carreiras de natureza administrativa, como a de motoristas, secretárias e outros cargos comuns ao setor privado. Não se pode tratar
coisas diferentes como se fossem
iguais.
Até hoje as regras que regem os
funcionários públicos não incorporam essa realidade. Fernando
Henrique Cardoso foi nosso primeiro dirigente a entender isso e
a ter coragem de explicitar o tratamento diferente de carreiras diferentes. É do que trata o chamado PL-9, que o Congresso engavetou e o PT decidiu, por questões
políticas, ignorar nas suas propostas.
Essa falta de clareza no encaminhamento da reforma da Previdência, agravada ainda pelo discurso demagógico e inviável da
chamada previdência única para
todos -dos juízes às companheiras cortadoras de cana, como disse nosso presidente-, criou a verdadeira marcha da insensatez,
que vivemos hoje na Câmara dos
Deputados, em Brasília. De um
lado, a proposta bancada pelo governo e que desconsidera a questão da funcionalidade do serviço
público e procura resolver apenas
a questão do buraco orçamentário do governo federal e dos Estados; de outro, criado por esse vazio de racionalidade e clareza, os
eternos interesses corporativos e
de natureza eleitoral procurando
manter privilégios. Com o governo enfraquecido pela fragilidade
de sua proposta, abriu-se espaço
para a negociação política da pior
natureza. Corremos o sério risco
de chegarmos, ao final, com um
cavalo com chifres, pés de pato e
rabo de camundongo.
Aprendi, durante meus anos de
governo federal, que um dos
maiores riscos no setor público é
tentar trocar a racionalidade pela
esperteza. O desastre nessas situações é inevitável, se não no curto
prazo, certamente no futuro. Temo que esse seja o grande risco de
hoje. O PT revela, a cada dia que
passa, essa tendência perigosa de
governar pela esperteza. Seus
membros acreditam que podem
enganar a todos nós com a ambiguidade de suas ações e palavras.
Não podem e vão se dar mal com
esse comportamento.
A forma como o PT está tratando a questão dos funcionários
atuais e aqueles que serão contratados no futuro é um exemplo
dessa busca da esperteza. Incapaz
de vencer as resistências à implantação de uma previdência
única para os trabalhadores privados e públicos -seu verdadeiro sonho de consumo político-,
está caminhando para uma solução esperta. Preserva as garantias
e privilégios dos funcionários
atuais e acena com um sistema
inviável para o futuro, mas que lida com o imaginário igualitário
de suas promessas.
Pode ser uma solução viável por
um certo tempo, mas joga para o
futuro o problema que vivemos
hoje. Como fizeram os militares e
os governos democráticos até o
aparecimento de Fernando Henrique.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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