São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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SAIA JUSTA

Transcrições de reunião mostram insatisfação do ministro com presidente do BNDES e a divisão ideológica no governo

Gravação revela atrito entre Furlan e Lessa

Marlene Bergamo - 6.jul.04/Folha Imagem
O ministro Luiz Fernando Furlan e o presidente do BNDES, Carlos Lessa, em lançamento de um fundo de ações do banco na Bolsa de SP


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

A transcrição de uma fita obtida pela Folha de reunião do conselho de administração do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) mostra com clareza a divisão que existe dentro do governo e revela que os atritos entre Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento, e Carlos Lessa, presidente do BNDES, são mais fortes do que eles deixam transparecer. Os dois chegam a bater boca na ocasião.
A Folha teve acesso à transcrição da reunião extraordinária do Conselho de Administração do banco realizada em 27 de novembro do ano passado. O tema da reunião era a compra pelo BNDES de 8,5% da Valepar, a holding que controla a Vale do Rio Doce, por R$ 1,5 bilhão.
Os diálogos entre Furlan e Lessa revelam bastidores de uma relação que se sabia pouco amistosa. Mas, na verdade, o que se vê é que vivem em pé de guerra. Discordam em gênero, número e grau em relação à política do BNDES.
Procurados pela Folha, tanto Furlan como Lessa preferiram não comentar a gravação da reunião, mas, informados do teor dos diálogos, não contestaram as informações. Outros conselheiros presentes, que preferiram não se identificar, confirmaram o conteúdo da gravação. O próprio Furlan havia determinado que a transcrição da reunião fosse enviada aos conselheiros.
Os embates são duros. Visivelmente irritado, Furlan mostra, na reunião, seu inconformismo pelo fato de não ter sido avisado da operação do BNDES com a Valepar. Ele diz que a diretoria do BNDES foi reincidente nesse caso, apesar de ter sido alertada em reuniões anteriores da necessidade de que operações como aquela fossem submetidas ao conselho.
A reunião tinha sido marcada por Furlan, que preside o conselho de administração do BNDES, justamente para discutir o fato de o órgão não ter sido informado pelo banco da compra das ações da Valepar. Lessa justifica na reunião que o banco tinha tomado a decisão "para evitar que a Vale viesse a se tornar uma empresa nipo-brasileira". A ameaça, diz Lessa, era de a japonesa Mitsui se tornar dona da companhia. Em certo trecho da reunião, Lessa ameaça apresentar uma carta de renúncia. Em outro, Furlan não esconde a insatisfação com a relação direta de Lessa com o ministro José Dirceu (Casa Civil).

Divisão ideológica
A incompatibilidade entre Furlan e Lessa tem origem no início do governo Lula. Na teoria, o BNDES é ligado ao Ministério do Desenvolvimento, o que significa, em tese, que Lessa deveria ser subordinado a Furlan. Na prática, o banco tem vida própria. Lessa nunca submeteu a Furlan as principais decisões do banco.
A gravação mostra com todas as tintas a divisão ideológica dentro do governo. O principal interlocutor de Lessa sempre foi o ministro José Dirceu, com quem o presidente do BNDES encontra mais afinidades ideológicas na forma de conduzir a economia do que com Furlan. Ao lado do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), pode-se dizer que os três seriam os principais representantes da ala chamada de desenvolvimentista.
Já Furlan, apesar de ter sido convidado por Lula por indicação de empresários, acabou se aproximando muito mais da ala ligada ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Foi essa aproximação entre os dois que provocou, na semana passada, a exclusão do BNDES da recém-criada Câmara de Desenvolvimento. Furlan não tinha gostado do fato de a presidência da nova câmara ter sido confiada a José Dirceu.


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