São Paulo, terça-feira, 25 de julho de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

O vaivém do dólar


A mudança do sistema de cobertura cambial promove desburocratização, reduz custos das exportações

A NOVA esperança dos exportadores, prejudicados pela excessiva valorização do real em relação ao dólar nos últimos anos, é o pacote cambial que está sendo preparado em Brasília. Pelo que se previa ontem à tarde, o pacote pode sair a qualquer momento, e sua principal medida será o fim ou a redução do que se chama de "cobertura cambial".
Na prática, quando uma empresa realiza uma exportação e recebe os dólares, precisa obrigatoriamente internar essa moeda estrangeira, que vai para o Banco Central, e sacar o equivalente em reais. Não importa se a empresa tem obrigações a pagar no exterior -como importações realizadas, por exemplo. Para pagar essas obrigações, ela terá de fazer outra operação, inversa: usar reais para comprar dólares no Banco Central e remetê-los para o exterior.
Esse aparato burocrático do sistema cambial brasileiro foi instituído há mais de 50 anos. Não por acaso. Decorre da crônica falta de divisas que durante muitas décadas sufocou a economia brasileira. O Banco Central nunca pôde abrir mão desse controle cambial, pela simples razão de que sempre necessitou desesperadamente de dólares para honrar suas obrigações em moeda forte.
Agora, a situação se inverteu. Existe excesso de dólares no mercado, o que provoca a valorização da moeda nacional. As reservas em moeda forte superaram o valor da dívida externa pública. Isso significa que o governo brasileiro, se quisesse, teria condições de quitar à vista toda a dívida externa do país. As reservas chegaram a US$ 64 bilhões, e a dívida está em US$ 63,2 bilhões.
Diante dessa situação, é normal que se pense em modificar o sistema de cobertura cambial. A idéia é permitir que os exportadores possam deixar no exterior uma parte dos dólares que recebem em suas transações comerciais. Esses recursos poderiam ser utilizados para o pagamento de obrigações lá fora -importações, por exemplo-, sem que tenham de fazer um passeio pelo Brasil.
É possível que essa mudança, pelo fato de reduzir o ingresso de divisas no país, tenha impacto na cotação do dólar, permitindo uma desvalorização do real, benéfica aos exportadores. Mas não há consenso a respeito disso. Alguns economistas acham que a redução dos ingressos será compensada por igual redução das saídas de dólares, tornando nulo o efeito da medida no que se refere à desejada desvalorização do real.
Porém, mesmo que não haja nenhum efeito cambial, a permissão para que as empresas mantenham dólares provenientes de exportação por mais tempo no exterior pode trazer benefícios importantes às exportações e ao superávit comercial. Esse passeio dos dólares pelo mercado interno antes de ser usado para pagamentos no exterior custa caro às empresas. Calcula-se que, nesse vaivém, as grandes empresas importadoras/exportadoras gastem até 4% de suas receitas com taxas bancárias, impostos e obrigações burocráticas. A incorporação desses 4% às receitas de exportação poderia representar um ganho adicional ponderável, capaz de compensar uma parte das perdas decorrentes da sobrevalorização do real.
Se tudo isso tem lógica, por que, então, não sai logo o pacote cambial? O problema é tributário. Ao passar pelo país para ser convertido em real, o dólar do exportador paga 0,38% de CPMF, como qualquer outra movimentação financeira. Se as empresas puderem manter lá fora parte dos recursos, haverá perda de receita pública. Dois setores do governo ainda não se entenderam sobre o valor desse possível dano. A Secex (Secretaria de Comércio Exterior) calcula perda de, no máximo, R$ 206 milhões por ano. A Receita Federal a estima em até R$ 1,1 bilhão.
Seja qual for a perda -é possível que, como sempre, haja exagero nas duas previsões-, a mudança do sistema de cobertura cambial é recomendável ao país. Promove desburocratização, reduz custos das exportações e pode até ajudar a valorizar o real. Não é o melhor fortificante para o exportador, que precisa mesmo é de taxa de câmbio favorável. Mas não há por que não testá-la.


BENJAMIN STEINBRUCH , 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br


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