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BENJAMIN STEINBRUCH
O vaivém do dólar
A mudança do sistema de
cobertura cambial promove
desburocratização, reduz
custos das exportações
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A NOVA esperança dos exportadores, prejudicados pela excessiva valorização do real
em relação ao dólar nos últimos
anos, é o pacote cambial que está
sendo preparado em Brasília. Pelo
que se previa ontem à tarde, o pacote pode sair a qualquer momento, e
sua principal medida será o fim ou a
redução do que se chama de "cobertura cambial".
Na prática, quando uma empresa
realiza uma exportação e recebe os
dólares, precisa obrigatoriamente
internar essa moeda estrangeira,
que vai para o Banco Central, e sacar o equivalente em reais. Não importa se a empresa tem obrigações a
pagar no exterior -como importações realizadas, por exemplo. Para
pagar essas obrigações, ela terá de
fazer outra operação, inversa: usar
reais para comprar dólares no Banco Central e remetê-los para o exterior.
Esse aparato burocrático do sistema cambial brasileiro foi instituído
há mais de 50 anos. Não por acaso.
Decorre da crônica falta de divisas
que durante muitas décadas sufocou a economia brasileira. O Banco
Central nunca pôde abrir mão desse
controle cambial, pela simples razão de que sempre necessitou desesperadamente de dólares para
honrar suas obrigações em moeda
forte.
Agora, a situação se inverteu.
Existe excesso de dólares no mercado, o que provoca a valorização da
moeda nacional. As reservas em
moeda forte superaram o valor da
dívida externa pública. Isso significa que o governo brasileiro, se quisesse, teria condições de quitar à
vista toda a dívida externa do país.
As reservas chegaram a US$ 64 bilhões, e a dívida está em US$ 63,2
bilhões.
Diante dessa situação, é normal
que se pense em modificar o sistema de cobertura cambial. A idéia é
permitir que os exportadores possam deixar no exterior uma parte
dos dólares que recebem em suas
transações comerciais. Esses recursos poderiam ser utilizados para o
pagamento de obrigações lá fora
-importações, por exemplo-, sem
que tenham de fazer um passeio pelo Brasil.
É possível que essa mudança, pelo
fato de reduzir o ingresso de divisas
no país, tenha impacto na cotação
do dólar, permitindo uma desvalorização do real, benéfica aos exportadores. Mas não há consenso a respeito disso. Alguns economistas
acham que a redução dos ingressos
será compensada por igual redução
das saídas de dólares, tornando nulo o efeito da medida no que se refere à desejada desvalorização do real.
Porém, mesmo que não haja nenhum efeito cambial, a permissão
para que as empresas mantenham
dólares provenientes de exportação
por mais tempo no exterior pode
trazer benefícios importantes às exportações e ao superávit comercial.
Esse passeio dos dólares pelo mercado interno antes de ser usado para pagamentos no exterior custa caro às empresas. Calcula-se que, nesse vaivém, as grandes empresas importadoras/exportadoras gastem
até 4% de suas receitas com taxas
bancárias, impostos e obrigações
burocráticas. A incorporação desses
4% às receitas de exportação poderia representar um ganho adicional
ponderável, capaz de compensar
uma parte das perdas decorrentes
da sobrevalorização do real.
Se tudo isso tem lógica, por que,
então, não sai logo o pacote cambial? O problema é tributário. Ao
passar pelo país para ser convertido
em real, o dólar do exportador paga
0,38% de CPMF, como qualquer outra movimentação financeira. Se as
empresas puderem manter lá fora
parte dos recursos, haverá perda de
receita pública. Dois setores do governo ainda não se entenderam sobre o valor desse possível dano. A Secex (Secretaria de Comércio Exterior) calcula perda de, no máximo,
R$ 206 milhões por ano. A Receita
Federal a estima em até R$ 1,1 bilhão.
Seja qual for a perda -é possível
que, como sempre, haja exagero nas
duas previsões-, a mudança do sistema de cobertura cambial é recomendável ao país. Promove desburocratização, reduz custos das exportações e pode até ajudar a valorizar o real. Não é o melhor fortificante para o exportador, que precisa
mesmo é de taxa de câmbio favorável. Mas não há por que não testá-la.
BENJAMIN STEINBRUCH , 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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