São Paulo, quinta, 25 de setembro de 1997.



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Empresários suicidas e massacre da sociedade

ALOYSIO BIONDI

Nos últimos três anos, ao ver notícias, análises e entrevistas nos jornais, revistas, rádio e TV, o jornalista Daniel Lobato não conseguia fugir a uma sensação angustiante:
- Não é possível. Estou assistindo a um inacreditável suicídio coletivo. Estou vendo uma sociedade inteira aceitar passivamente que um punhado de meia dúzia de homens que chegaram ao poder destruam empresas, empregos, patrimônios acumulados durante décadas. O que está acontecendo no Brasil merece o estudo de cientistas ou psicólogos sociais como Fromm; é toda uma nação, dezenas e dezenas de milhões de pessoas que, todos os dias, fingem não ver que a situação está pior dia a dia e que a economia está sendo conduzida para um grande desastre.
Pela cabeça de Daniel Lobato passava frequentemente a imagem de milhões e milhões de lemingues, os animaizinhos que se deslocam em multidões por quilômetros e quilômetros, rumo à morte num despenhadeiro, ou num lago, ou estourando de exaustão pelo caminho, num fenômeno impressionante de suicídio de massa.
- O Brasil virou um país de lemingues, pensava Daniel Lobato.
Na semana passada, o jornalista descobriu, por meio de uma nota do Painel S/A desta Folha, que a mesma constatação finalmente chegou à área empresarial. Um líder do setor de eletroeletrônicos bradou contra a política econômica e usou o exemplo dos lemingues para criticar a passividade coletiva diante do massacre dos últimos anos.
O empresariado e a sociedade brasileira vão finalmente sair do torpor suicida? Nos últimos dias, constata Daniel Lobato, começaram a surgir análises e entrevistas apontando "indícios pré-recessivos" na economia brasileira. Um risco, dizem formadores de opinião, provocado pela política de juros altos do Banco Central, "para segurar o consumo" e "reduzir as importações".
Diagnóstico falso
Daniel Lobato não pôde conter um sorriso amargo:
- Onde estão os líderes empresariais de coragem, os políticos comprometidos com os interesses da sociedade, os jornalistas éticos de antes da República dos Lemingues? Como é que esses de-formadores de opinião têm coragem de manter explicações falsas para a tragédia que está atingindo o Brasil? Como insistem em vender um diagnóstico falso para a sociedade, de que "agora" a economia vai mal por uma política deliberada do Banco Central de conter a demanda?
Cabeça entre as mãos, cabisbaixo, Lobato monologa:
- O Brasil não está à beira do abismo da noite para o dia. Há três anos, a política econômica deste governo está minando, dia a dia, a economia nacional. Está tudo inter-relacionado, como poucos tentaram dizer tantas vezes (e serem insultados de "radicais" e "dinossauros", reflete). O escancaramento do mercado; a destruição sistemática dos fornecedores de peças, componentes e matérias-primas substituídos pelas importações; o achatamento dos salários, aposentadorias e ganhos do funcionalismo; o desemprego trazido pelo escancaramento; a consequente perda de poder aquisitivo e aumento da inadimplência -tudo isso, há meses e meses conduzia o país inexoravelmente para uma recessão. E uma crise cambial.
O suicídio
No começo do mês, mais uma vez, Daniel Lobato viu, estupefato, a volta do foguetório porque a balança comercial (exportações menos importações) estava apresentando um rombo menor. Hoje, já se sabe que o "rombo" disparou, e vai passar da casa do US$ 1 bilhão no mês. As remessas de lucros e dividendos, feitas pelas filiais das multinacionais, subiram 1.000% (ou dez vezes) em relação a anos recentes, e chegaram a quase US$ 4,3 bilhões de janeiro a agosto. O comércio de São Paulo demite (48 mil) no mês de agosto -fenômeno ocorrido somente uma vez, anteriormente.
O acúmulo de dados negativos mostra a necessidade de uma reviravolta urgente na política econômica. Resta ver se lideranças empresariais e políticas terão a coragem de retomar seu papel -histórico- e conseguirão a ajuda decisiva dos formadores de opinião nessa tarefa, conclui Lobato. Desesperançado.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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