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Empresários suicidas e massacre da sociedade
ALOYSIO BIONDI
Nos últimos três anos, ao ver
notícias, análises e entrevistas
nos jornais, revistas, rádio e TV,
o jornalista Daniel Lobato não
conseguia fugir a uma sensação
angustiante:
- Não é possível. Estou assistindo a um inacreditável suicídio coletivo. Estou vendo uma
sociedade inteira aceitar passivamente que um punhado de
meia dúzia de homens que chegaram ao poder destruam empresas, empregos, patrimônios
acumulados durante décadas.
O que está acontecendo no Brasil merece o estudo de cientistas
ou psicólogos sociais como
Fromm; é toda uma nação, dezenas e dezenas de milhões de
pessoas que, todos os dias, fingem não ver que a situação está
pior dia a dia e que a economia
está sendo conduzida para um
grande desastre.
Pela cabeça de Daniel Lobato
passava frequentemente a imagem de milhões e milhões de
lemingues, os animaizinhos que
se deslocam em multidões por
quilômetros e quilômetros, rumo à morte num despenhadeiro, ou num lago, ou estourando
de exaustão pelo caminho, num
fenômeno impressionante de
suicídio de massa.
- O Brasil virou um país de
lemingues, pensava Daniel Lobato.
Na semana passada, o jornalista descobriu, por meio de
uma nota do Painel S/A desta
Folha, que a mesma constatação finalmente chegou à área
empresarial. Um líder do setor
de eletroeletrônicos bradou
contra a política econômica e
usou o exemplo dos lemingues
para criticar a passividade coletiva diante do massacre dos últimos anos.
O empresariado e a sociedade
brasileira vão finalmente sair
do torpor suicida? Nos últimos
dias, constata Daniel Lobato,
começaram a surgir análises e
entrevistas apontando "indícios pré-recessivos" na economia brasileira. Um risco, dizem
formadores de opinião, provocado pela política de juros altos
do Banco Central, "para segurar o consumo" e "reduzir as
importações".
Diagnóstico falso
Daniel Lobato não pôde conter um sorriso amargo:
- Onde estão os líderes empresariais de coragem, os políticos comprometidos com os interesses da sociedade, os jornalistas éticos de antes da República
dos Lemingues? Como é que esses de-formadores de opinião
têm coragem de manter explicações falsas para a tragédia
que está atingindo o Brasil? Como insistem em vender um
diagnóstico falso para a sociedade, de que "agora" a economia vai mal por uma política
deliberada do Banco Central de
conter a demanda?
Cabeça entre as mãos, cabisbaixo, Lobato monologa:
- O Brasil não está à beira
do abismo da noite para o dia.
Há três anos, a política econômica deste governo está minando, dia a dia, a economia nacional. Está tudo inter-relacionado, como poucos tentaram
dizer tantas vezes (e serem insultados de "radicais" e "dinossauros", reflete). O escancaramento do mercado; a destruição sistemática dos fornecedores de peças, componentes e
matérias-primas substituídos
pelas importações; o achatamento dos salários, aposentadorias e ganhos do funcionalismo; o desemprego trazido pelo
escancaramento; a consequente
perda de poder aquisitivo e aumento da inadimplência -tudo isso, há meses e meses conduzia o país inexoravelmente
para uma recessão. E uma crise
cambial.
O suicídio
No começo do mês, mais uma
vez, Daniel Lobato viu, estupefato, a volta do foguetório porque a balança comercial (exportações menos importações)
estava apresentando um rombo
menor. Hoje, já se sabe que o
"rombo" disparou, e vai passar
da casa do US$ 1 bilhão no mês.
As remessas de lucros e dividendos, feitas pelas filiais das
multinacionais, subiram
1.000% (ou dez vezes) em relação a anos recentes, e chegaram
a quase US$ 4,3 bilhões de janeiro a agosto. O comércio de
São Paulo demite (48 mil) no
mês de agosto -fenômeno
ocorrido somente uma vez, anteriormente.
O acúmulo de dados negativos mostra a necessidade de
uma reviravolta urgente na política econômica. Resta ver se
lideranças empresariais e políticas terão a coragem de retomar seu papel -histórico- e
conseguirão a ajuda decisiva
dos formadores de opinião nessa tarefa, conclui Lobato. Desesperançado.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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