São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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ABISMO SOCIAL

Disparidade entre salários recua na maioria das faixas etárias

Cai diferença de renda entre brancos e negros, afirma Ipea

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O abismo salarial que separa negros e brancos no Brasil tem diminuído, mesmo que aos poucos. É o que mostra um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizado pelos pesquisadores Maurício Cortez Reis e Anna Risi Crespo.
Para chegar a essa conclusão, eles compararam, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, a diferença de rendimentos entre homens brancos e negros principalmente na década de 90. Em quase todos os grupos etários de 21 a 65 anos, diminuiu a diferença salarial entre as gerações.
Em 1990, um trabalhador branco entre 48 e 50 anos, por exemplo, ganhava 130% a mais do que um negro da mesma idade. Doze anos depois, a diferença salarial na mesma faixa etária caiu para 90%. A intensidade dessa queda variou de acordo com o grupo. De 24 a 26 anos, por exemplo, a diferença no rendimento em 1990 era de 62% a favor dos brancos. Em 2002, caiu para 55%.
Os pesquisadores consideraram como negros todos os trabalhadores que se autodeclararam pretos ou pardos ao IBGE.
A primeira hipótese investigada por Reis e Crespo para explicar a diminuição foi a melhoria do acesso dos negros à escola. Eles perceberam, no entanto, que a distância que separa os dois grupos não diminuiu nesse quesito. Em quase todas as faixas etárias, negros aumentaram sua média de anos de estudo no período. No entanto, como os brancos também aumentaram na mesma proporção, a diferença ficou praticamente inalterada.
Os pesquisadores levantaram então a hipótese de que parte da explicação pode estar na diminuição da discriminação no mercado de trabalho: "À medida que uma geração de negros foi avançando no mercado de trabalho, isso facilitou as coisas para a geração seguinte, que teria sofrido menos discriminação".
Pesquisar a discriminação no mercado de trabalho, no entanto, não é uma tarefa fácil. A simples comparação de rendimento entre negros e brancos, por exemplo, não comprova, necessariamente, que o mercado de trabalho discrimina o negro exclusivamente por causa de sua cor da pele.
Em muitos casos, como demonstram também outros estudos, a principal explicação para essa diferença está na desigualdade na educação. Ou seja, negros ocupariam postos de menor remuneração não pelo fato de serem negros, mas por terem menos escolaridade do que brancos.
Reis afirma também que há várias razões possíveis para a discriminação: "Uma das explicações é que ela aumenta a utilidade de quem discrimina ao colocar o outro em posição inferior. Há também o que chamamos de discriminação estatística. Um empregador, sabendo que em média os negros têm menos acesso a boas escolas, interpreta a cor de um pretendente ao emprego como uma informação de que ele pode ser menos preparado".
Para chegar o mais próximo do que seria a discriminação no mercado de trabalho, Reis e Crespo tentaram separar da diferença de rendimento entre os grupos o quanto seria explicado por fatores regionais ou de escolaridade, profissão e posição na ocupação. Isso porque sabe-se que, independentemente de cor ou raça, os salários variam de acordo com escolaridade, região onde habita, profissão escolhida e cargo do trabalhador.
Ao levar em conta essas variáveis (ou seja, comparando trabalhadores negros e brancos com perfil semelhante), o estudo mostra que a maior parte da diferença salarial desaparece. Ainda assim, no entanto, uma parte permanece. Foi essa parte que eles chamaram de termo de discriminação.
Em 2002, 71% da diferença salarial entre trabalhadores de 24 a 26 anos estava relacionada a fatores como educação, região, setor de atividade e posição na ocupação. Ou seja, 29% da desigualdade era explicada pela discriminação ou por outros fatores. Em 1990, no entanto, o peso da discriminação era maior: chegava a 35%.
Mesma tendência de queda da discriminação foi encontrada na comparação entre trabalhadores de 48 a 50 anos. Em 1990, 31% da diferença era explicada pela discriminação. Doze anos depois, essa proporção era de 25%.
Reis alerta de que outros fatores que não são mensuráveis podem influenciar a diferença: "Até quando comparamos dois trabalhadores da mesma região, com mesma escolaridade, profissão e posição, não sabemos se um deles teve acesso a uma boa universidade enquanto outro estudou em uma instituição de baixa qualidade, o que pode também influenciar na escolha do empregador".
Na avaliação da ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a diminuição do hiato salarial entre negros e brancos é um avanço, mas ainda há muita desigualdade: "Há 20 anos, negava-se até que existia essa diferença. Hoje, ela é evidente. As melhorias são fruto de duas décadas de luta do movimento negro, mas ainda há muito a fazer".


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