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LUÍS NASSIF
A reforma perdida
Em 2003 , abordei o tema em
uma coluna. Volto com
mais detalhes. Trata-se da tentativa de reforma cambial, no
governo JK, que teria permitido
ao país entrar na trilha aberta
pela Coréia do Sul e pelo Japão
na época.
Essa oportunidade foi perdida
no dia aziago em que Juscelino
Kubitschek reuniu sua equipe
econômica em torno de uma
mesa e pediu sua opinião sobre
a reforma cambial proposta por
Roberto Campos. Nas primeiras
semanas de governo, o mercado
de câmbio chegou a parar ante
os rumores de que ela seria adotada.
JK fez uma reunião no Palácio
e colocou a proposta em votação. Contra ela, ficaram o ministro da Fazenda, José Maria
Alckmin, o representante do
Brasil no FMI, Octávio Paranaguá, o presidente do Banco do
Brasil, Sebastião Paes de Almeida, e mais um ministro. A favor
estavam Roberto Campos (presidente do BNDES), Edmundo
Barbosa, Pupo Correia e um
quarto membro. Deu empate.
JK reagiu com uma longa gargalhada: "Um médico do interior de Minas chega diante de
sábios e é obrigado a desempatar". E, sem jamais atinar com o
alcance da medida, jogou por
água abaixo uma das mais ousadas propostas econômicas dos
anos 50.
O começo da discussão havia
sido no BNDES, na época de sua
implantação. O primeiro diretor-superintendente do órgão foi
o engenheiro paulista Ary Torres, indicado pelo ministro da
Fazenda, Horácio Lafer. Quando Ary pediu demissão, Getúlio
designou para seu lugar José
Soares Manuel Filho, o "Zé Bundinha", jornalista do "Diário
Carioca" e industrial de tecidos.
Soares assumiu exigindo uma
cota de afilhados, o que provocou a demissão de Glycon de
Paiva, Lucas Lopes e Campos,
que voltou para o Itamaraty.
Com a queda de Vargas, Café
Filho assumiu a Presidência e
houve mudança radical na política econômica. Depois de muitas mudanças de cargos, assumiu o Ministério da Fazenda o
respeitado banqueiro paulista
José Maria Whitaker, homem de
hábitos tão espartanos que tomava banho frio e vestia roupa
sem se enxugar, para que o corpo não se acostumasse com comodidades. Assim que Whitaker assumiu, chamou Campos:
"A missão que tenho vai lhe
agradar. Quero que prepare os
estudos para a liberação do
câmbio".
O economista aceitou, montou
a proposta e foi incumbido de
defendê-la no FMI. O Fundo era
extremamente alérgico a liberações cambiais, mas Campos não
se submeteu à sua ortodoxia.
Mesmo assim, a proposta foi
abortada no governo Café Filho.
Com a eleição de JK, Campos e
Lucas Lopes relançaram a tese
da desvalorização cambial. Lucas Lopes e Campos prepararam
o plano e chamaram para assessorá-los Edward Bernstein, diretor de pesquisas do FMI e grande figura na fundação do Fundo
em Breton Woods.
Quando se pensou na grande
mudança cambial brasileira,
ainda não havia a concorrência
dos tigres asiáticos, o Brasil tinha mão-de-obra mais capacitada e infra-estrutura industrial
mais avançada.
O empate na votação surpreendeu os defensores da idéia.
Jamais compreenderam por que
Octávio Paranaguá, o representante brasileiro no Fundo, mudou seu voto. Paranaguá havia
acompanhado a exposição de
Campos ao "board" do Fundo e
argumentado a seu favor. Na
reunião brasileira, mostrou-se
esquivo, perturbado. Campos
achou que o motivo da mudança seria seu desejo de ser reeleito
diretor-executivo do Brasil no
FMI, para o qual o voto do ministro da Fazenda era indispensável, conforme me disse em depoimento que colhi dele uns dez
anos atrás. Ante a falta de consenso sobre a idéia, Bernstein
julgou tecnicamente mais aconselhável não executar a política.
Durante muitos anos, Campos
ficou com a impressão de que
um objetivo menor impediu a
aprovação da medida. Augusto
Frederico Schmidt teria influenciado Alckmin e Juscelino, dizia
que reformas cambiais derrubavam governo. Mas sua preocupação maior poderia ser o encarecimento da importação de
máquinas que estaria sendo
realizada por Júlio Barbero, seu
amigo e discípulo, para sua indústria têxtil, em Sorocaba. Em
depoimento que me deu anos
atrás, Barbero negou esse interesse.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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