São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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FRAUDES DO CAPITAL

Companhia, acusada de sonegação em negociação fictícia de títulos, quer provar que operações existiram

Bombril envolve empresas em caso de lavagem

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Multada pela Receita Federal em pelo menos R$ 1,8 bilhão -acusada de sonegação na negociação de títulos no valor de US$ 1,3 bilhão-, a Bombril entregou documentos à Polícia Civil de São Paulo que envolvem outras grandes empresas brasileiras em investigação policial sobre lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
São empresas como Odebrecht, Globopar (Globo Comunicações e Participações) e Braskem, além do grupo Coinbra, de industrialização e exportação de soja.
Uma das maiores fabricantes de produtos de higiene e limpeza do país, a Bombril repassou à polícia cópias de contratos e documentos que detalham 180 operações de compra e venda de títulos estrangeiros realizadas pela empresa no período de 1998 a 2002, quando uma brecha na legislação permitiu grande volume de negócios com esses papéis no país, sem registro no Banco Central.
A compra e a venda de títulos estrangeiros são legais, mas há suspeita de que pelo menos parte dos papéis negociados não existia, o que constituiria fraude.
Como há essa suspeita, o objetivo da Bombril é fazer com que as empresas que negociaram com ela naquela ocasião sejam chamadas e apresentem os comprovantes de que os títulos existiram e que eram operações financeiras usuais de mercado.
A Bombril negociou US$ 1,3 bilhão em títulos naquele período, supostamente para levantar capital de giro no curto prazo.
A Receita Federal entendeu que houve sonegação de impostos e multou a Bombril em R$ 1,5 bilhão, em dezembro do ano passado, só pelas negociações havidas em 1999. No ano anterior, ela já havia sido multada em R$ 300 milhões, por conta das operações de 98. Como a prática perdurou até 2002, a própria empresa espera receber notificações de R$ 1,2 bilhão no final deste ano e de R$ 500 milhões nos próximos dois anos.
A Bombril está recorrendo das multas e avalia que, se for inocentada no inquérito policial, terá grande possibilidade de vencer também a batalha fiscal. Daí ter entregue os contratos à polícia.
Nas últimas duas semanas, a reportagem da Folha ouviu empresas e advogados envolvidos no caso. As empresas negam ter cometido irregularidade e dizem que as negociações com títulos estrangeiros são amparadas em pareceres de advogados, os quais asseguravam sua legalidade, e, ainda, que foram assessoradas por bancos de primeira linha.
Os papéis em questão eram títulos do Tesouro dos EUA (T-Bill) e da Argentina, além de bônus da própria Bombril lançados no exterior. As grandes empresas representaram a fatia menor das transações efetuadas pela Bombril. A maior parte das vendas foi para empresas desconhecidas, que receberam depósitos oriundos de doleiros em suas contas. O inquérito investiga a origem e o destino final dos recursos. Algumas são acusadas de lavagem de dinheiro em outros inquéritos. Outras respondem a acusação desse tipo no exterior.
As operações da Bombril são investigadas pela 7ª Delegacia Policial da Lapa (zona oeste de São Paulo) em inquérito aberto em setembro de 2000, o que suscitou uma outra polêmica: como evasão de divisas e lavagem de dinheiro são crimes federais, a Polícia Civil não teria competência legal para investigar o caso.

Falência
Seis ex-dirigentes da Bombril já prestaram depoimento, e o presidente da empresa, José Edson Bacellar Júnior, vai depor na quinta. A polícia quer que ele informe o paradeiro dos italianos Sérgio Cragnotti e Edoardo Battista.
Cragnotti faliu e foi preso em Roma, em 2003, após tirar dinheiro da Bombril para outras empresas de seu grupo no exterior. Por conta disso, foi multado em R$ 62,5 milhões pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), em 2002, a maior já aplicada pela instituição. Battista foi o principal executivo da Bombril na gestão de Cragnotti e, supostamente, o responsável pela decisão de negociar os títulos estrangeiros.
Além dos problemas com o fisco e da investigação policial, a Bombril é alvo de disputa por seu controle acionário. Desde a falência de Cragnotti, ela está sob regime de administração judicial, que foi instaurada, em julho de 2003, a pedido ex-acionista controlador, Ronaldo Sampaio Ferreira.
Já estão identificadas no inquérito as empresas que negociaram R$ 1,9 bilhão, em valores históricos (não corrigidos pela inflação), com a Bombril. Entre os documentos que estão em poder da polícia, há cópias de dois contratos assinados pela Globopar, em agosto de 1999, em que ela vende à Bombril T-Bills no total de US$ 5,257 milhões, correspondentes, na época, a R$ 9,4 milhões.
A Bombril repassou os papéis no mesmo dia a um corretor uruguaio, chamado Ignácio Rospide de León, que também foi acusado de fraude financeira em seu país. O corretor seria só um intermediário para repassar o dinheiro a outras contas no exterior.
Outro contrato, também obtido pela Folha, mostra que a Bombril comprou US$ 3 milhões em T-Bills da Coinbra, um dos maiores exportadores de soja e de suco de laranja do país, subsidiária do grupo francês Dreiffus. A Coinbra fatura o equivalente a US$ 1,8 bilhão por ano no Brasil.
Entre as grandes empresas que negociaram títulos com a Bombril, a OPP Petroquímica, atual Braskem, controlada pelo grupo Odebrecht, foi a que mais operações realizou: R$ 32,16 milhões. A empresa está sendo intimada para esclarecer as operações.
Também há dois contratos em nome da Construtora Norberto Odebrecht, de julho de 1999, em que ela aparece como vendedora de títulos para a Bombril. Com as cópias dos contratos, estão anexados os comprovantes de depósito do dinheiro na conta da construtora no Brasil: R$ 11,53 milhões.
A Daslu -localizada em São Paulo, acusada de sonegação fiscal e descaminho de mercadorias de luxo- aparece nos documentos que a Bombril entregou à polícia como vendedora de T-Bills, no valor de US$ 108 mil. A operação foi realizada em outubro de 2001.
Em nome da empresa Tecnologia Bancária (Tecban, que administra o Banco 24 Horas), há dois contratos de venda de T-Bills, de outubro de 2001, que somam R$ 1,44 milhão. No histórico da movimentação de compra e venda de títulos entregue à polícia, a Bombril informou não ter registro do destino dos papéis que ela adquiriu da Tecban.


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