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"Deus mercado virou diabo", diz economista
Para Maria da Conceição Tavares, neoliberalismo sofreu "golpe mortal" e agora interessa ao capitalismo a auto-regulação
Economista diz que Brasil "ainda não está ameaçado",
pois bancos não estão
"metidos em especulação"
e não há dívida externa
MAIR PENA NETO
DA REUTERS
Os Estados Unidos precisam
regular, e rápido, o seu sistema
financeiro sob pena de não conseguirem controlar a atual crise
e perderem sua hegemonia no
setor, advertiu a economista
Maria da Conceição Tavares
em entrevista à Reuters.
Estabelecer as regras do jogo
é a questão-chave para estabilizar o mercado, na opinião da
professora da UFRJ e da Unicamp, uma das principais vozes
da economia brasileira desde a
década de 1970.
Mas seria interesse do capitalismo se regular? A economista avalia que, no momento,
sim, pois o modelo neoliberal
naufragou. "O Deus mercado
virou diabo na terra do gelo."
A economista vê sinais de declínio dos EUA até pelo fato de
o país não estar mais sozinho,
como na crise de 1929, e ter que
se entender com a China.
"Não escreveria hoje, como
escrevi em 1984, a retomada da
hegemonia americana. Ou resolvem rápido essa crise ou, se
deixarem para depois da eleição, não conseguem manter a
hegemonia", afirmou Conceição, para emendar, taxativa: "O
século 21 não será norte-americano". Leia, a seguir, mais opiniões da economista.
BANCOS
O Brasil ainda não está ameaçado. Os bancos brasileiros não
estão metidos nessa ciranda.
Há uma supervisão muito grande do Banco Central. Mesmo os
derivativos a BM&F registra.
Não tem controle de capitais,
mas tem registro, o que significa que, se você quiser controlar,
tem os instrumentos. As condições favoráveis do Brasil são as
seguintes: bancos privados não
estão metidos nessa especulação; não temos dívida externa
pública; temos reservas; o problema de balanço de pagamentos é pequeno; o impacto das
commodities não dá para perceber e somos muito abertos ao
mundo. Temos mais comércio
com a Argentina do que com os
EUA. Los hermanos são mais
importantes que o big brother.
ECONOMIA REAL
A crise não está na economia
real. Só na Europa e no Japão,
onde a ligação entre bancos e a
economia real é mais forte. No
caso americano, não. Há um setor da economia real americana
que já começou a decadência, e
por aí virá uma recessão, que é
o imobiliário. Esse não tem saída. No ciclo recente, o setor que
primeiro puxa a economia
americana é o imobiliário, depois automóveis, os duráveis e,
finalmente, o investimento.
Ainda não está claro se serão
afetados. O investimento das
empresas depende do que vai
acontecer com a Bolsa. Se ela
continuar oscilando, mas não
tiver uma depressão, sobrevive.
RECESSÃO
Acho que vai ter uma recessão, ninguém duvida. Mas uma
coisa é uma recessão, outra é
uma depressão. Não há dúvida
de que ainda vai ter uma liquidação de ativos financeiros que
eram fictícios. Essa parte da liquidação financeira da riqueza
vai continuar e a gente não sabe
até quando. A ligação entre essa
crise e o setor real agora é o
aperto global do crédito. Se
continuar, vamos para uma recessão global. Sem crédito, não
funciona capitalismo algum.
ONTEM E HOJE
A única coisa que pode dar
um certo otimismo é que em
1930 os EUA estavam sozinhos,
mas agora eles têm a China como parceira. Em 1930, os EUA
não tinham sócios, todas as reservas do mundo estavam com
eles. Agora, os EUA não têm reservas, só têm dívida. Todas as
reservas em dólar estão basicamente na Ásia.
DECLÍNIO DO IMPÉRIO
Desta vez acho que é sinal do
declínio [americano]. A menos
que levem no bico os chineses e
russos. Estão com problemas
de petróleo. Tinham que ter tomado providências imediatas
para regular o mercado futuro
de petróleo. Você não consegue
mais fazer preço e os preços
não têm tendência específica,
sobem e descem de maneira
enlouquecida. Nisso não se parece nada com 1930, que era
uma crise de deflação de ativos
e de preços. Agora é de liquidação de ativos financeiros e os
preços... não têm uma tendência definida.
SEM BRETON WOODS
A complicação é como [os
EUA] se entendem com Europa
de um lado e China do outro.
Não são parceiros da mesma
natureza. Infelizmente, não
creio que vá haver uma reunião
como Breton Woods. Não estamos caminhando para uma ordem mundial nova. Estamos
caminhando para uma certa
desordem. Os parceiros não
vão seguir as ordens americanas, sobretudo em matéria financeira. É difícil um acordo
por Estados. Acho que os EUA
vão se regular primeiro e os demais países vão se adaptar, não
creio em regulação conjunta.
Seria ideal, mas não creio.
FALHAS NO PACOTE
O [Henry] Paulson [secretário do Tesouro dos EUA], homem de Wall Street, propôs
salvar os bancos e só. Não disse
mais nada sobre regulá-los. Os
candidatos não estão satisfeitos com essa idéia de socializar
os prejuízos. [Os EUA] fizeram
isso na década de 1990. A raiz
dessa crise é a crise de 1990,
quando, em vez de regular, liberalizaram tudo na pretensão de
que os mercados se auto-regulavam, sobretudo as grandes
instituições que tinham rating.
Aí o Congresso começou a chiar
e aos poucos os bancos vão começar aceitando a supervisão.
DEUS E O DIABO
No momento, interessa ao
capitalismo se regular. O neoliberalismo foi-se. O Deus mercado virou diabo na terra do gelo. Sofreu golpe mortal. Paulson ainda queria manter dessa
maneira, tanto que não falou
em regulação, mas o pessoal cobra porque é dinheiro para burro... O governo terá de regular,
não é um processo fácil. Terá
que fazer acordo com comissões financeiras do Senado e da
Câmara. Se conseguirem um
acordo, aí já dá para todos irem
para casa disputar as eleições.
DONO DO CASSINO
Ou os EUA resolvem quais
são as regras agora, enquanto
são donos do cassino, ou daqui
a pouco não adianta nada porque não serão mais os donos. É
mais fácil fazer acordo quando
eu, que sou a banca, faço as regras e convido os demais a seguirem ou se adaptarem. Ou resolvem rápido ou se deixarem
para depois da eleição não conseguem manter a hegemonia.
SEM DINHEIRO
O auxílio dos bancos centrais
não resolveu nada, só injetou liquidez. Quando você injeta liquidez, mas os bancos não emprestam uns aos outros, mais
sobe a taxa interbancária. Esse
assunto não está resolvido. Foi
isso que levou o Paulson a avançar para resgatar os títulos podres para que as instituições fiquem sãs.
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