São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008

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ARTIGO

Não se pode dar cheque em branco a Paulson

GEORGE SOROS
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

O pacote de resgate de US$ 700 bilhões proposto por Hank Paulson está enfrentando dificuldades no Congresso. E com razão: ele é ineficaz. O Congresso estaria abdicando de sua responsabilidade caso desse um cheque em branco ao secretário do Tesouro. O projeto de lei encaminhado ao Legislativo continha até mesmo cláusulas que isentariam as decisões do secretário de revisão por qualquer tribunal ou agência administrativa o que representaria a realização final do sonho do governo Bush quanto a um Executivo unitário. O histórico de Paulson não inspira a confiança necessária para que lhe sejam concedidos plenos poderes sobre US$ 700 bilhões. Suas ações da semana passada causaram a crise que torna necessário o resgate. Na segunda-feira ele permitiu a quebra do Lehman Brothers e se recusou a fornecer verbas governamentais para salvar a AIG. Na terça, se viu forçado a reverter sua posição e a oferecer à seguradora um empréstimo de US$ 85 bilhões, com condições punitivas. O colapso do Lehman Brothers perturbou o mercado de commercial papers. Um grande fundo do mercado monetário viu sua carteira cair abaixo do valor nominal dos papéis, e os bancos de investimento que dependiam do mercado de commercial papers enfrentaram dificuldades para financiar suas operações. Por volta da quinta-feira, uma corrida aos fundos do mercado monetário estava em pleno curso, e nunca chegamos tão perto de um colapso completo do sistema, desde os anos 30. Paulson reverteu sua posição uma vez mais e propôs um resgate sistêmico. Paulson já havia recebido um cheque em branco do Congresso no passado. Isso aconteceu no caso da Fannie Mae e da Freddie Mac. A solução que ele desenvolveu colocou o mercado da habitação na pior situação possível: os administradores das empresas sabiam que, se o cheque fosse preenchido, perderiam seus empregos, de modo que se reposicionaram e tornaram as hipotecas ainda mais dispendiosas e menos acessíveis. Dentro de poucas semanas, o mercado forçou Paulson a agir e ele teve de tomar o controle das duas instituições. A proposta de Paulson para adquirir títulos problemáticos lastreados por hipotecas apresenta um problema clássico de assimetria de informação. É difícil avaliar os papéis, mas os vendedores sabem mais sobre eles do que os compradores; em qualquer processo de leilão, o Tesouro ficaria com o lixo. A proposta também está repleta de potenciais conflitos de interesse. A menos que o Tesouro pague mais pelos títulos do que eles valem, o esquema não aliviaria os problemas. Mas caso o esquema seja utilizado para resgatar bancos insolventes, o que os contribuintes receberão em retorno? Barack Obama delineou quatro condições que deveriam ser impostas: que os contribuintes tenham algo a ganhar, além de algo a perder; que um conselho bipartidário fiscalize o processo; que os proprietários de imóveis também recebam ajuda, e não só os detentores de hipotecas; e alguns limites para a remuneração daqueles que se beneficiem do dinheiro dos contribuintes. Os princípios são corretos. Poderiam ser aplicados mais efetivamente por meio da capitalização direta das instituições que detém títulos problemáticos, em lugar de medidas de alívio dirigidas aos títulos problemáticos.

Não aos balanços
A injeção de fundos governamentais seria menos complicada se fosse aplicada ao capital e não aos balanços. Um montante de US$ 700 bilhões em ações preferenciais seria suficiente para cobrir o rombo criado pelo estouro da bolha da habitação. Em contraste, acrescentar US$ 700 bilhões à ponta da demanda em um mercado de US$ 11 trilhões poderia não bastar para deter o declínio nos preços da habitação. Algo precisa ser feito do lado da oferta. Para impedir que os preços das casas caiam excessivamente, o número de hipotecas executadas precisa ser limitado ao mínimo. Os termos das hipotecas precisam ser ajustados à capacidade de pagamento dos proprietários de imóveis. O pacote de resgate nada faz quanto a essa tarefa. Realizar as modificações necessárias é uma tarefa delicada que foi ainda mais dificultada pelo fato de que muitas hipotecas foram fatiadas e revendidas na forma de obrigações de dívida caucionada. Os detentores das diversas fatias têm interesses conflitantes. Demoraria demais resolver esses conflitos de modo a incluir um esquema para a alteração dos termos das hipotecas no pacote de resgate. Mas o pacote poderia preparar o terreno para isso, no entanto, ao modificar as leis de falência no que tange à moradia primária.

Nem todos merecem
Agora que a crise está em curso, um pacote de resgate em larga escala é provavelmente indispensável para que ela seja controlada. Reconstruir os balanços combalidos do sistema bancário é o caminho a tomar. Nem todos os bancos merecem ser salvos, mas podemos confiar em que os especialistas do Federal Reserve, sob a devida fiscalização, tomem as decisões corretas. Os comandos das empresas que relutam em aceitar as conseqüências de seus passados erros poderiam ser penalizados cortando seu acesso às linhas de crédito do Fed. Tornar fundos do governo disponíveis deveria também encorajar o setor privado a participar da recapitalização do setor bancário, para pôr fim à crise financeira.

GEORGE SOROS é presidente do conselho da Soros Fund Management

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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