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LUÍS NASSIF
A crise vem de fora
Estrategista do Citigroup Asset Management e
Ph.D. pelo Departamento de
Economia da Universidade Columbia, em Nova York, o economista Paulo Tenani acha que
será possível administrar expectativas da transição do novo governo. Consistiria em desvincular as taxas de juros reais da
economia da taxa de risco-país.
Qual é seu raciocínio? Diz ele
que sempre é tentador analisar
crises financeiras por um ponto
de vista moral. Lembra que foi
assim com a crise da dívida que
assolou a América Latina na
década de 80, atribuída aos gastos e déficits fiscais incorridos
pelos governos nacionais. Repetiu-se com o México em 1995, e
aí as causas foram a taxa de
câmbio sobrevalorizada e a falta de transparência nas contas
nacionais. Em 1997, Tailândia,
Indonésia, Coréia do Sul e Malásia implodiram por culpa do
"capitalismo camarada" que
supostamente caracterizava a
região. Depois, vieram Rússia
(1998), Brasil (1999) e Argentina
(2001), e a culpa pelas crises recaiu sobre corrupção, ausência
de ajuste fiscal e taxas de câmbio sobrevalorizadas. Agora, a
nova crise financeira brasileira
é atribuída à "incerteza eleitoral", novamente um motivo doméstico para justificar a crise.
Tenani lembra que o Brasil
tem taxas flexíveis de câmbio, o
terceiro maior superávit primário dentre os 39 países acompanhados pelo Citigroup Asset
Management, uma dívida de
60% do PIB, perfeitamente razoável para padrões internacionais, fundamentos de fazer inveja ao mais ortodoxo dos economistas. Mesmo no campo político as notícias são positivas,
uma vez que nosso próximo presidente -seja quem for- não
parece pior que a média dos países emergentes.
Contrariamente ao que é
apregoado pelo ponto de vista
moral, diz ele, as causas da
atual crise que assola o Brasil
devem ser procuradas fora, e
não dentro do país. E elas talvez
estejam em uma imperfeição
-um desvio do equilíbrio competitivo- que acontece no mercado global quando da determinação das taxas de risco-país.
Em algumas ocasiões, essa imperfeição joga as taxas para patamares excessivos, o que resulta, por arbitragem, em taxas de
juros reais muito altas.
No Brasil, a taxa de risco está
acima dos 20% e desde a crise
da Rússia tem se mantido em
média acima dos 8,5% reais. Esse nível de risco inviabiliza até
países com dívida pública pequena e superávit primário gigantesco.
O fato de as causas da atual
crise financeira estarem fora e
não dentro do país remete a
duas conclusões, diz Tenani. A
primeira é que, uma vez resolvida a incerteza eleitoral -seja
quem for o presidente-, a crise
pode ser aliviada, mas não resolvida. A taxa de risco Brasil
pode até ceder, mas dificilmente
cairá abaixo dos 7,5% necessários para estabilizar a dívida
pública nos atuais 60% do PIB.
A segunda conclusão -e aqui
começam as boas notícias, segundo ele- é que o problema
do Brasil não está na dívida pública, que não é alta para os padrões internacionais. Logo, o caminho seria agir sobre a taxa de
risco, e não diretamente sobre a
dívida pública. Há situações em
que a taxa de risco deixa de refletir mudanças nos fundamentos domésticos ou globais. Foi o
caso da Argentina, quando a taxa de risco não respondeu à
queda nas taxas de juros mundiais, ao forte ajuste fiscal, ao
pacote de ajuda do Fundo Monetário Internacional, à nomeação do ministro Domingo Cavallo e nem mesmo à desvalorização cambial.
A saída seria desvincular as
taxas de juros reais da taxa de
risco-país por meio de um imposto seletivo sobre a entrada
daquele capital que arbitra essas duas taxas. As taxas de juros
reais, desvinculadas da imperfeição nas taxas de risco, poderiam cair para patamares condizentes com estabilidade -ou
até mesmo redução da dívida
pública.
No entanto, para que essas soluções sejam aplicadas, diz ele, o
Brasil -e de certa forma o mercado- deve livrar-se do estigma das crises e entender que o
problema está fora, e não dentro
do país.
E-mail -
LNassif@uol.com.br
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