São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

A crise vem de fora

Estrategista do Citigroup Asset Management e Ph.D. pelo Departamento de Economia da Universidade Columbia, em Nova York, o economista Paulo Tenani acha que será possível administrar expectativas da transição do novo governo. Consistiria em desvincular as taxas de juros reais da economia da taxa de risco-país.
Qual é seu raciocínio? Diz ele que sempre é tentador analisar crises financeiras por um ponto de vista moral. Lembra que foi assim com a crise da dívida que assolou a América Latina na década de 80, atribuída aos gastos e déficits fiscais incorridos pelos governos nacionais. Repetiu-se com o México em 1995, e aí as causas foram a taxa de câmbio sobrevalorizada e a falta de transparência nas contas nacionais. Em 1997, Tailândia, Indonésia, Coréia do Sul e Malásia implodiram por culpa do "capitalismo camarada" que supostamente caracterizava a região. Depois, vieram Rússia (1998), Brasil (1999) e Argentina (2001), e a culpa pelas crises recaiu sobre corrupção, ausência de ajuste fiscal e taxas de câmbio sobrevalorizadas. Agora, a nova crise financeira brasileira é atribuída à "incerteza eleitoral", novamente um motivo doméstico para justificar a crise.
Tenani lembra que o Brasil tem taxas flexíveis de câmbio, o terceiro maior superávit primário dentre os 39 países acompanhados pelo Citigroup Asset Management, uma dívida de 60% do PIB, perfeitamente razoável para padrões internacionais, fundamentos de fazer inveja ao mais ortodoxo dos economistas. Mesmo no campo político as notícias são positivas, uma vez que nosso próximo presidente -seja quem for- não parece pior que a média dos países emergentes.
Contrariamente ao que é apregoado pelo ponto de vista moral, diz ele, as causas da atual crise que assola o Brasil devem ser procuradas fora, e não dentro do país. E elas talvez estejam em uma imperfeição -um desvio do equilíbrio competitivo- que acontece no mercado global quando da determinação das taxas de risco-país. Em algumas ocasiões, essa imperfeição joga as taxas para patamares excessivos, o que resulta, por arbitragem, em taxas de juros reais muito altas.
No Brasil, a taxa de risco está acima dos 20% e desde a crise da Rússia tem se mantido em média acima dos 8,5% reais. Esse nível de risco inviabiliza até países com dívida pública pequena e superávit primário gigantesco.
O fato de as causas da atual crise financeira estarem fora e não dentro do país remete a duas conclusões, diz Tenani. A primeira é que, uma vez resolvida a incerteza eleitoral -seja quem for o presidente-, a crise pode ser aliviada, mas não resolvida. A taxa de risco Brasil pode até ceder, mas dificilmente cairá abaixo dos 7,5% necessários para estabilizar a dívida pública nos atuais 60% do PIB.
A segunda conclusão -e aqui começam as boas notícias, segundo ele- é que o problema do Brasil não está na dívida pública, que não é alta para os padrões internacionais. Logo, o caminho seria agir sobre a taxa de risco, e não diretamente sobre a dívida pública. Há situações em que a taxa de risco deixa de refletir mudanças nos fundamentos domésticos ou globais. Foi o caso da Argentina, quando a taxa de risco não respondeu à queda nas taxas de juros mundiais, ao forte ajuste fiscal, ao pacote de ajuda do Fundo Monetário Internacional, à nomeação do ministro Domingo Cavallo e nem mesmo à desvalorização cambial.
A saída seria desvincular as taxas de juros reais da taxa de risco-país por meio de um imposto seletivo sobre a entrada daquele capital que arbitra essas duas taxas. As taxas de juros reais, desvinculadas da imperfeição nas taxas de risco, poderiam cair para patamares condizentes com estabilidade -ou até mesmo redução da dívida pública.
No entanto, para que essas soluções sejam aplicadas, diz ele, o Brasil -e de certa forma o mercado- deve livrar-se do estigma das crises e entender que o problema está fora, e não dentro do país.

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