São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROBERTO RODRIGUES

Tecnologia e biofortificação


O HarvestPlus, programa criado por alguns governos, visa melhorar a qualidade nutricional dos alimentos

A TECNOLOGIA agropecuária brasileira, indiscutivelmente a melhor em todo o mundo tropical, tem sido a grande alavanca da nossa competitividade global. Os números são conhecidos: de 1990 para cá, a área plantada com grãos no país cresceu 24%, enquanto a produção aumentou 147%. Só esse dado já seria suficiente para mostrar o espetacular avanço na produtividade por área. Mas não ficou aí: a produção de carne de frango cresceu mais de 200% no mesmo período; a de carne suína, 130%.
Desde que o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) começou, a produtividade da cana-de-açúcar evoluiu tanto que, se tivéssemos hoje os mesmos níveis daquele tempo, precisaríamos do dobro da área plantada para obter a atual produção. Esses dados revelam um fato pouco notado: nosso padrão tecnológico é eminentemente calcado na sustentabilidade, evitando a derrubada de muito mais florestas e cerrados.
Mas não é só na produtividade por hectare, na resistência a pragas e a doenças, na maior rusticidade, que nossas tecnologias evoluem tão espetacularmente. Há um outro tema, pouco conhecido, mas da maior importância: trata-se de biofortificação dos alimentos.
Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), cerca de 840 milhões de pessoas não consomem, por dia, alimentos em quantidade suficiente para suprir suas necessidades básicas de energia. Pior ainda: passa de 3 bilhões o número de pessoas que sofrem os efeitos traiçoeiros da deficiência de micronutrientes porque não têm condições financeiras para comprar carne vermelha, frango, peixe, frutas, legumes e hortaliças que lhes garantam a necessária energia. Mulheres e crianças da África Subsaariana, do Sudeste Asiático e da América Latina contraem doenças e morrem prematuramente ou perdem capacidades física e intelectual por não se alimentarem adequadamente com micronutrientes essenciais, como ferro, iodo, zinco e vitamina A.
A Organização Mundial da Saúde informa, no entanto, que a deficiência de micronutrientes não é exclusividade dos habitantes dos países pobres. A deficiência de minerais e de vitaminas também ocorre entre os ricos e interfere na evolução do indivíduo, tanto física como mentalmente, com reflexos no seu desenvolvimento social e econômico, afetando até os avanços do seu país.
Alguns governos ao redor do mundo vêm combatendo a deficiência de micronutrientes com ações de fortificação de alimentos, e criaram um programa internacional chamado HarvestPlus, no qual o Brasil está inserido, e com destaque, através da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
O objetivo desse grande programa é melhorar a qualidade nutricional das principais plantas alimentares, adaptando-as às regiões onde são cultivadas. E estamos avançando bastante. Já foram selecionadas e multiplicadas variedades de mandioca, feijão, milho e batata-doce, que estão sendo avaliadas quanto aos teores de ferro, zinco, betacaroteno e carotenóides totais.
As variedades mais promissoras são usadas como matrizes em cruzamentos genéticos que dão origem a outras, cada vez mais ricas em nutrientes. A transgenia poderá ser usada, em futuro próximo, com o mesmo objetivo. Os primeiros resultados já são animadores.
Com isso, essa tecnologia permitirá aos nossos produtores rurais continuarem conquistando mercados, ao mesmo tempo em que estarão promovendo a melhoria da alimentação, qualitativamente, a amplas populações carentes e nos países desenvolvidos.

ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.



Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Uso do BNDES na crise tem limites, dizem especialistas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.