São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2008

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DEBATE FOLHA

Crise exige reforma fiscal no país, dizem economistas

Para colunistas da Folha, corte de gastos do governo evitaria aperto monetário maior

UMA POLÍTICA FISCAL MELHOR, com arrecadação de impostos inteligente e austeridade, por parte do governo, nos gastos, é do que o Brasil precisa para enfrentar com menos danos a crise financeira internacional e garantir uma retomada rápida, passadas as turbulências. Por isso, na opinião dos colunistas da Folha que participaram de debate realizado na quarta-feira passada na sede do jornal, a administração Luiz Inácio Lula da Silva deveria enxergar este momento como uma oportunidade para realizar mudanças fundamentais e reformas que ajudariam o país a crescer sustentavelmente no longo prazo. Quanto a esse assunto, os economistas dividem-se em céticos e esperançosos.
Polêmico também é o manejamento dos juros pelo Banco Central. Há quem defenda o fim da alta da taxa e quem ache necessário aumentá-la mais.

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Da maneira como se estabilizar o mercado de crédito brasileiro dependerá a atuação do Banco Central, explicam os analistas. Caso a desconfiança geral seja superada e as operações de empréstimo e financiamento se normalizem, a demanda interna pode continuar crescendo, o que forçaria a instituição a elevar a taxa Selic. Ao contrário, na persistência do atual empoçamento de recursos, poderia ser arriscado continuar subindo os juros. Mediado pelo jornalista e colunista Vinicius Torres Freire, o debate teve a participação de Alexandre Schwartsman, economista-chefe para América Latina do banco Santander; Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista-chefe da Quest Investimentos e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); Paulo Rabello de Castro, vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da agência de classificação de risco SR Rating; e Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas) e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. A seguir, o que eles pensam dos efeitos da crise financeira sobre a economia do país.

 
TAXA DE CÂMBIO
Nakano - A atual desvalorização da moeda brasileira não é um ataque contra o real nem uma crise nossa, dos nossos fundamentos. Trata-se de um fenômeno internacional e está ocorrendo por uma razão simples: os bancos de diferentes países operam em dólar. Então, em um quadro como este, todos querem captar dólar, o que gera uma pressão enorme sobre as demais moedas.
Mendonça de Barros - Uma das explicações para o fato de ter havido uma reversão no movimento do dólar, que vinha caindo e agora se valoriza, é a volta de investidores para aplicações em dólar, das quais eles saíram durante muito tempo.

OPORTUNIDADES
Nakano - Olhando para a nossa história, percebemos que é em momentos de crise que conseguimos pensar mais a longo prazo. É preciso olhar para dentro e buscar desenvolver o Brasil de acordo com as suas potencialidades. As circunstâncias vão fazer com que sejam mudados dois pressupostos básicos da nossa economia: baixar a taxa de juros e ter um câmbio mais depreciado e competitivo.
Rabello de Castro - O Brasil que toma partido desta crise para transformá-la em oportunidade é aquele que muda o "mix" de política, trocando a ênfase monetária pela ênfase fiscal, e anuncia medidas práticas para mudar o padrão de financiamento da economia brasileira. Vamos estimular mecanismos que aumentem a capacidade de poupar das pessoas. É óbvio que isso desembocaria nas grandes reformas, como a tributária, a previdenciária e até a reforma política.

CRÉDITO
Schwartsman - A contração do crédito está ligada muito mais a um problema de liquidez do que de solvência. As condições para resolver essa questão já estão dadas. Então acredito que será possível retomar o crédito fortemente à medida que esse problema de liquidez for passando.
Mendonça de Barros - Vamos ter uma descontinuidade no crédito, o que vai levar à quebra de muita gente, com liquidação de estoque e comprometendo o emprego.

MEDIDAS DO GOVERNO
Schwartsman - Achei inteligente a liberação do compulsório condicionada à aquisição da carteira de crédito de bancos menores. Já a medida provisória nº 443 [que permite a estatização de bancos] gerou um pânico desnecessário.
Rabello de Castro - Estamos tão macaquistas que conseguimos copiar o porre estando sóbrios. O sistema [bancário brasileiro] é altamente solvente, altamente sólido, integrado.
Nakano - O que poderia ter sido feito de uma forma mais agressiva é resolver o problema dos ACCs [Adiantamentos sobre Contratos de Câmbio] para os exportadores. Quanto à MP, a maneira como foi feita foi desastrosa. No passado, o socorro a bancos por parte do Banco do Brasil e da CEF foi realizado sem nenhum anúncio. Portanto não era preciso uma MP.
Mendonça de Barros - Prefiro assim. Já que será colocado dinheiro público, que seja de forma mais transparente, com fiscalização, às claras.

JUROS
Nakano - A liberação do compulsório é, a rigor, uma injeção de dinheiro. Não faz sentido agora o BC elevar os juros.
Schwartsman - Depende do diagnóstico da situação do crédito. Tenho uma visão mais otimista a esse respeito. Embora possa acontecer um problema grande no futuro, a falta de crédito está se resolvendo. Vai haver um desafio muito grande para o Banco Central [por causa do compulsório].
Mendonça de Barros - Estamos de acordo que, como vai importar menos, o país precisa reduzir a demanda claramente e rápido para não criar um problema de inflação. Aí vem a nossa divergência. Os bancos vão dar uma trancada no crédito. Ou melhor, já estão dando. Nesse cenário, agregar o aumento da taxa de juros é uma absoluta irresponsabilidade.

POLÍTICA FISCAL
Schwartsman - Obviamente, se tivéssemos dado maior atenção à política fiscal ao longo dos últimos anos, a situação seria muito diferente. Mas vamos olhar para a frente. Já temos encomendado para 2009 um aumento considerável de despesas públicas. Não me refiro ao PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e sim aos aumentos do funcionalismo e do salário mínimo.
Rabello de Castro - Brasília tem de jogar fora o Orçamento de 2009 e começar tudo de novo. Não se pode discutir se a demanda interna vai recuar ou não no país sem perguntar o que vai acontecer com o governo. Se ele vai continuar crescendo, a sociedade terá de se contrair duas vezes: pela desaceleração geral e pela ampliação do governo.
Mendonça de Barros - O problema que o Lula tem pela frente é o [superávit] primário. Em um ano, vai cair a receita por conta de crescimento menor. Quero ver onde vão reduzir a despesa para fazer o [superávit] primário, que é camisa-de-força nessa situação.

FOLHA ONLINE
Assista ao vídeo do debate
Leia mais sobre a opinião dos economistas
www.folha.com.br/082985



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