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São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Desafio para gente grande

A última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) marcou o final da ditadura técnica imposta pelo Banco Central ao governo Lula. O bom senso político prevaleceu sobre o pensamento burocrático, a ordem veio de cima e o BC acatou.
Agora, é importante avaliar a complexidade do desafio. É impossível ao país manter indefinidamente a atual política de juros e de câmbio. Não há mais limite político ou econômico para continuar a gerar superávits fiscais que garantam o pagamento da dívida.
Vamos a alguns pequenos exercícios matemáticos, sem muita atenção aos detalhes, apenas para dar uma idéia dos grandes números em jogo. Imagine um pequeno modelo com três variáveis: crescimento do PIB, superávit primário (receita menos despesa do Estado excluindo pagamento de juros) e taxa real de juros da dívida pública -e a dívida partindo do patamar atual de 55% do PIB.
Hipótese 1 - taxa real de 10% ao ano, superávit primário de 4,25% ao ano e crescimento do PIB de 2% ao ano. Nem se pode imaginar nível maior de crescimento com taxas de juros e superávits fiscais dessa magnitude. A relação dívida interna/ PIB terminaria, em 2012, em 55% do PIB -isso se não sobrevier uma crise cambial, monetária ou política no caminho. Ou seja, dez anos com cortes monumentais de investimento público e privado, no custeio, aumento de tributação e manutenção de juros altos, supondo um governo politicamente capaz de segurar a bomba sem explodir, em um quadro em que segurança, educação e saúde estão em estado mais que precário.
Hipótese 2 - o superávit primário caindo de 4,25% para 3% (o que é mais realista, mas ainda extraordinariamente elevado). Em 2012, a relação dívida interna/PIB estará em 70%, dez pontos percentuais a mais. É possível?
Hipótese 3 - imagine que o Banco Central baixe a taxa de juros real para 5% ao ano e permita crescimento do PIB de 5% ao ano. Nesse caso, se o superávit primário cair para 2% ao ano, em 2012 a relação dívida interna/PIB ainda estaria em 42%. Se se mantiver o superávit de 3% ao ano, a relação cai para 32%.
É evidente que a terceira hipótese é a mais adequada. Com juros mais baixos, estimula-se o crescimento, pode haver mais recursos para infra-estrutura, redução da carga fiscal.
Há dois tipos de risco na terceira hipótese. O primeiro, de parte dos investidores transferir sua liquidez para outras praças, por meio da compra de dólares, com desvalorização cambial e reflexos sobre a inflação. O segundo é o da necessidade de articular a gestão da economia de maneira a aumentar a capacidade produtiva para atender o crescimento sem inflação. Não é tarefa para amadores.
Posto que a terceira hipótese é a única que sinaliza uma saída para o país, a apresentação das contra-indicações para sua redução dos juros é fútil. A discussão em pauta é como montar a estratégia adequada e dispor das pessoas certas para romper o nó górdio. Segurar o curto prazo com uma carga de juros suicida é fácil. O desafio será romper com a política monetária em vigor. E aí se verá que o Banco Central exige uma estadista.

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Luisnassif@uol.com.br


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