São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2008

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ARTIGO

Nova crise escancara falha na fiscalização

FLOYD NORRIS
DO "NEW YORK TIMES"

GARANTIAS que não foi possível honrar arremessaram o sistema financeiro mundial à sua mais grave crise desde a Grande Depressão.
Será que uma garantia oferecida pelo governo dos Estados Unidos por fim restaurará a confiança no sistema financeiro norte-americano?
O boom financeiro da primeira metade da década será relembrado como um período no qual a inovação sobrepujou a capacidade de avaliação de risco tanto pelas autoridades regulatórias quanto de parte das instituições financeiras.
Os colapsos do Bear Stearns e do Lehman Brothers, ambos os quais eram regulamentados primordialmente pela Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que fiscaliza o regulamenta o mercado de valores mobiliários, e equivale à CVM, Comissão de Valores Mobiliários, no Brasil), serviram para colocar em destaque as atividades dessa agência, que na prática se viu alijada da regulamentação quanto à solidez financeira das instituições, depois que o Federal Reserve (Fed, o BC dos Estados Unidos) assumiu a responsabilidade pela fiscalização de diversas das empresas pelas quais a SEC era originalmente responsável.
O Citigroup sempre esteve sob regulamentação do Fed, e a necessidade de repetidos resgates ao banco demonstra que a fiscalização foi ineficiente e que, mesmo depois que a crise começou, o governo subestimou sua severidade.
O mais recente resgate inclui mais que a garantia e a injeção de capital. A operação também permite que o Citigroup trate ativos que estão sob risco como se fossem relativamente seguros, o que melhora sua posição de capital aparente.
David Hendler, analista da CreditSights, aponta para o fato de que os ativos do Citigroup incluem US$ 91 bilhões em contas a receber de cartões de crédito, US$ 163 bilhões em empréstimos a empresas e um total líquido de US$ 104 bilhões em derivativos variados. Esses ativos, ele escreve, "não estão imunes aos problemas da economia mais ampla".

Citi não está só
O Citigroup de maneira alguma está sozinho em sua incapacidade de compreender os riscos que veio a assumir.
Seguros para esses ativos foram vendidos tanto por seguradoras de títulos quanto por outras instituições que passaram a operar com os chamados CDS ("credit default swaps", papéis que visam proteger o investidor contra inadimplência de empresa tomadora) que na prática representavam transações de seguros, mas não estavam sujeitas às mesmas regulamentações. As empresas que negociaram montantes elevados dessa forma de seguro agora estão enfrentando problemas e/ou negociando para pagar menos do que o prometido pelos contratos de garantia ou, como no caso da AIG (American International Group), estão mantendo as portas abertas apenas porque o governo as resgatou.
Em retrospecto, talvez o fato de que tenha existido demanda tão elevada por essa forma de seguro devesse ter servido como alerta de que os riscos eram mais graves do que se admitia.
Mas na época as empresas que vendiam seguros de títulos acreditavam que viessem a ter de pagar poucas, se alguma, dessas apólices.

Declínio generalizado
Com a queda das ações do Citigroup na semana passada, também surgiram fortes declínios nas ações de outros grandes bancos, entre os quais o Bank of America e o JPMorgan Chase. Resta saber se a ação do governo vai acalmar os investidores quanto a essas instituições também, ou se o medo quanto a elas vai se manter em nível semelhante ao que gerou as mais recentes garantias.
A garantia ao Citigroup, ao contrário das fornecidas por empresas que venderam seguros de títulos e CDS, vem de uma instituição que está autorizada a imprimir dólares. Isso torna a nova garantia mais confiável que as precedentes.
À medida que as obrigações do governo ascendem aos trilhões de dólares, pode chegar o momento em que os investidores passarão a questionar se um governo que acumula tamanhos déficits será capaz de prometer, igualmente, que o dólar não perderá valor.
Essa preocupação poderia gerar elevação dos juros baixíssimos que o Tesouro vem pagando por suas transações de captação.
Ainda que o governo de George W. Bush tenha prevenido o colapso das grandes instituições financeiras e restaurado a confiança nelas, isso não significa que o sistema financeiro esteja funcionando bem. Os problemas da recessão, dos mercados de empréstimos restritos e da queda nos preços dos imóveis continuarão, mesmo que todo mundo venha enfim a concluir que os grandes bancos estão seguros.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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