São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2008

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Foco

Banco norte-americano comandou o "clube" dos maiores credores do Brasil

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Por quase duas décadas o Citibank foi uma espécie de oráculo de políticos e economistas integrantes dos sucessivos governos brasileiros. Mesmo que fosse a contragosto, a partir de meados da década de 80, não houve chefão da equipe econômica que não tenha se reunido com os executivos instalados naquele edifício envidraçado e com o topo em forma de cunha na esquina da avenida Lexington com a rua 53, em Nova York.
Quando o então presidente José Sarney decretou moratória da dívida externa brasileira, em 1987, o Citibank era o maior credor privado do Brasil. O banco tinha US$ 4,6 bilhões para receber. Em valores de hoje, seriam cerca de US$ 8,5 bilhões, pouco menos da metade dos US$ 20 bilhões que o banco acumula de prejuízo desde o final de 2007.
Na calçada em frente ao Citi ficava o escritório da firma de advocacia Arnold & Porter. Era dali que o banqueiro William Rhodes comandou incontáveis reuniões do que se chamava Comitê Assessor dos Bancos Credores. Por ser o maior credor do Brasil, o banco tinha o direito de presidir esse clube informal de bancos privados.
Sarney sustentou o quanto pôde o calote da dívida. Fez uma renegociação em 1988, mas logo o Brasil começou novamente a atrasar os pagamentos. Começava, então, o período da "moratória branca". Não se admitia simplesmente a interrupção dos pagamentos, mas apenas alguns atrasos.
No governo de Fernando Collor, a partir de 1990, novamente o Citibank voltou a comandar as reuniões do clube de credores. Sempre no mesmo lugar. A normalização das relações entre o governo brasileiro e o Citi só começou a ficar mais visível quando Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, concluiu as negociações da dívida externa brasileira, antes de ser eleito presidente, no final de 1994.
No primeiro semestre daquele ano, Luiz Inácio Lula da Silva fez uma viagem a Nova York para se apresentar aos bancos e empresários norte-americanos. Participou de um encontro com banqueiros na cidade. O petista liderava as pesquisas de opinião para o Planalto. O Plano Real ainda não estava lançado.
Os bancos queriam saber o que um possível presidente petista faria em relação à dívida externa. A negociação conduzida por FHC seria corroborada pelo governo seguinte? Foi, então, que a imagem de arrogância do Citibank talvez tenha se expressado de maneira mais completa.
Quando o petista chegou para um almoço promovido pela Câmara Brasil-Estados Unidos, no dia 12 de maio de 1994, encontrou no seu caminho William Rhodes. Simulando um comportamento amistoso e demonstrando uma intimidade inexistente, o executivo do Citi colocou as costas de uma mão no peito de Lula e perguntou, em espanhol: "O senhor vai honrar o acordo?". Surpreso, Lula começou desconversando. Terminou a breve conversa com um "cabe ao presidente que assumir honrar o acordo".
Repórteres no local perguntaram então a Rhodes se o banqueiro estava satisfeito com a resposta. Diferentemente do político brasileiro, o executivo do Citibank não se achou na obrigação de responder. Ficou calado. Depois do almoço declarou protocolarmente entender que Lula honraria o acordo da dívida. Nos bastidores, o Citi espalhou o quanto pôde sua desconfiança a respeito do PT no Planalto.
Eleito presidente em 2002, Lula nunca deixa escapar uma oportunidade para alfinetar o banco norte-americano. No início deste ano, quando as coisas já não iam bem para a instituição, o presidente disse: "Eles, que davam tanto palpite sobre como administrar os países, as coisas, quando chega a hora de provar a sua competência, demonstram que não têm tanta competência como falavam".


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