São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2008

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Agrofolha

Importação de café volta a gerar disputa

Produtores são contra importar, mas indústrias são favoráveis; para analistas, abertura do mercado tem de ser negociada

Como o país não permite a importação de café verde, indústrias que visam o consumidor estrangeiro tomam o caminho externo

MAURO ZAFALON
ENVIADO ESPECIAL A PORTO DE GALINHAS (PE)

Importação de café, um tema que vai e volta e sempre traz polêmicas quando retomado. Na semana passada, em Porto de Galinhas (PE), em um encontro do setor promovido pela Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), o tema voltou à pauta. E, como sempre, trouxe discussões acaloradas.
Para a indústria, o Brasil pode perder o bonde da participação no exterior com produto de valor agregado. Para os produtores, "abrir essa porta é perigoso". Já um analista diz que está em jogo uma disputa pelo mercado brasileiro, um dos que mais crescem. A abertura deverá ser negociada e resultar em abertura também para as indústrias nacionais lá fora.
O Brasil não permite a importação de café verde. Com isso, as indústrias que necessitam se adaptar às exigências dos consumidores externos, que querem "blends" (misturas) de café brasileiro com os de outras origens, tomam o caminho do exterior, se associando a outras empresas ou terceirizando a produção.
Além de perder investimentos de empresas brasileiras, o país deixa de receber também os de multinacionais, que poderiam fazer do Brasil a base de produção de seus produtos.
Dois exemplos de investimentos que foram transferidos para fora são o da mineira Café Bom Dia, que terceiriza a produção de torrado e moído em Seattle (EUA), e o da paranaense Iguaçu de Café Solúvel que, devido às dificuldades de importar para reexportar, pôs os pés na Europa em associação com a Seda Soluble.
A avaliação do mercado é que só no setor de solúvel o país está perdendo vários investimentos, que foram para Rússia, Vietnã e Tailândia.

Café de qualidade
Mesmo sem entrar na polêmica sobre produtores e indústrias, Néstor Osorio, diretor-executivo da OIC (Organização Internacional do Café), deu o primeiro sinal sobre as necessidades de uma eventual importação de café pelo Brasil.
No 16º Encafé, em Porto de Galinhas, Osorio disse que, no ritmo atual de consumo e de exportações, o Brasil necessitará de pelos menos 100 milhões de sacas de café a cada dois anos. Se não atingir esse patamar, vai ter de decidir entre exportar ou consumir menos.
O norte-americano Ted Lingle, diretor-executivo do Coffee Quality Institute (Instituto de Qualidade do Café), disse que o Brasil deverá importar pelo menos 1 milhão de sacas de café nos próximos anos para compor novos "blends" e expandir as vendas de cafés especiais. Segundo Lingle, para cada saca importada, o país recolocaria outra no mercado externo.
Já alguns participantes do mercado estimam que, para cada saca comprada lá fora, o Brasil poderia exportar até três de café brasileiro após a formação do "blend". Essas importações poderiam elevar a qualidade dos cafés nas cafeterias do país e oferecer um volume maior de café torrado e moído nacional no mercado externo. "Se o Brasil não produzir esse café, ele será produzido por outro país", diz o dono de uma indústria.
"As importações de café são um pleito constante da Abic", diz Nathan Herszkowicz, diretor-executivo. "O que queremos é café de qualidade."
Sidney Marques de Paiva, diretor da Abic e do Café Bom Dia, diz que as indústrias nacionais também têm de ter opções para competir com as multinacionais. "Ou não deixa entrar nada ou deixa as indústrias nacionais concorrerem." Antes, as vendas de cafés importados eram um nicho de mercado. Hoje, o produto já está na prateleira dos supermercados, concorrendo com o nacional, diz Herszkowicz.

Baixa qualidade
Eduardo Carvalhaes Jr., do Escritório Carvalhaes, de Santos, concorda com Paiva e diz que o assunto é importante demais. As grandes empresas vieram sem contrapartida e essas negociações começaram sem uma regulamentação. Além disso, até agora não derrubaram as barreiras lá fora para o produto brasileiro.
"Tenho medo de que seja aberta essa porta." Essa é a posição de João Lopes Araújo, presidente da Assocafé (Associação dos Produtores de Café da Bahia), após ouvir o norte-americano Lingle. Para Araújo, as importações pedidas até agora são de cafés especiais e de alta qualidade. "É um marketing." O problema é quando a indústria importar o PVA (preto, verde, ardido -café de baixíssima qualidade).
Os países da América Central têm dificuldades de colocar esses cafés no mercado mundial e o Brasil poderá ser o destino.
Além disso, é um risco trazer café verde ao país. Há a possibilidade da vinda de novas pragas para cá, afirma Araújo.
A indústria de solúvel quer o "drawback" (importações para reexportações), mas pretende trazer cafés africanos de baixa qualidade para concorrer com o conillon nacional, que está mais valorizado, diz ele.


O jornalista MAURO ZAFALON viajou a convite da Abic.


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