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Agrofolha
Importação de café volta a gerar disputa
Produtores são contra importar, mas indústrias são favoráveis; para analistas, abertura do mercado tem de ser negociada
Como o país não permite a importação de café verde, indústrias que visam o consumidor estrangeiro tomam o caminho externo
MAURO ZAFALON
ENVIADO ESPECIAL A PORTO DE GALINHAS (PE)
Importação de café, um tema
que vai e volta e sempre traz polêmicas quando retomado. Na
semana passada, em Porto de
Galinhas (PE), em um encontro do setor promovido pela
Abic (Associação Brasileira da
Indústria de Café), o tema voltou à pauta. E, como sempre,
trouxe discussões acaloradas.
Para a indústria, o Brasil pode perder o bonde da participação no exterior com produto de
valor agregado. Para os produtores, "abrir essa porta é perigoso". Já um analista diz que
está em jogo uma disputa pelo
mercado brasileiro, um dos que
mais crescem. A abertura deverá ser negociada e resultar em
abertura também para as indústrias nacionais lá fora.
O Brasil não permite a importação de café verde. Com isso, as indústrias que necessitam se adaptar às exigências
dos consumidores externos,
que querem "blends" (misturas) de café brasileiro com os de
outras origens, tomam o caminho do exterior, se associando a
outras empresas ou terceirizando a produção.
Além de perder investimentos de empresas brasileiras, o
país deixa de receber também
os de multinacionais, que poderiam fazer do Brasil a base de
produção de seus produtos.
Dois exemplos de investimentos que foram transferidos
para fora são o da mineira Café
Bom Dia, que terceiriza a produção de torrado e moído em
Seattle (EUA), e o da paranaense Iguaçu de Café Solúvel que,
devido às dificuldades de importar para reexportar, pôs os
pés na Europa em associação
com a Seda Soluble.
A avaliação do mercado é que
só no setor de solúvel o país está perdendo vários investimentos, que foram para Rússia,
Vietnã e Tailândia.
Café de qualidade
Mesmo sem entrar na polêmica sobre produtores e indústrias, Néstor Osorio, diretor-executivo da OIC (Organização
Internacional do Café), deu o
primeiro sinal sobre as necessidades de uma eventual importação de café pelo Brasil.
No 16º Encafé, em Porto de
Galinhas, Osorio disse que, no
ritmo atual de consumo e de
exportações, o Brasil necessitará de pelos menos 100 milhões
de sacas de café a cada dois
anos. Se não atingir esse patamar, vai ter de decidir entre exportar ou consumir menos.
O norte-americano Ted Lingle, diretor-executivo do Coffee
Quality Institute (Instituto de
Qualidade do Café), disse que o
Brasil deverá importar pelo
menos 1 milhão de sacas de café
nos próximos anos para compor novos "blends" e expandir
as vendas de cafés especiais. Segundo Lingle, para cada saca
importada, o país recolocaria
outra no mercado externo.
Já alguns participantes do
mercado estimam que, para cada saca comprada lá fora, o Brasil poderia exportar até três de
café brasileiro após a formação
do "blend". Essas importações
poderiam elevar a qualidade
dos cafés nas cafeterias do país
e oferecer um volume maior de
café torrado e moído nacional
no mercado externo. "Se o Brasil não produzir esse café, ele
será produzido por outro país",
diz o dono de uma indústria.
"As importações de café são
um pleito constante da Abic",
diz Nathan Herszkowicz, diretor-executivo. "O que queremos é café de qualidade."
Sidney Marques de Paiva, diretor da Abic e do Café Bom
Dia, diz que as indústrias nacionais também têm de ter opções
para competir com as multinacionais. "Ou não deixa entrar
nada ou deixa as indústrias nacionais concorrerem."
Antes, as vendas de cafés importados eram um nicho de
mercado. Hoje, o produto já está na prateleira dos supermercados, concorrendo com o nacional, diz Herszkowicz.
Baixa qualidade
Eduardo Carvalhaes Jr., do
Escritório Carvalhaes, de Santos, concorda com Paiva e diz
que o assunto é importante demais. As grandes empresas vieram sem contrapartida e essas
negociações começaram sem
uma regulamentação. Além
disso, até agora não derrubaram as barreiras lá fora para o
produto brasileiro.
"Tenho medo de que seja
aberta essa porta." Essa é a posição de João Lopes Araújo,
presidente da Assocafé (Associação dos Produtores de Café
da Bahia), após ouvir o norte-americano Lingle.
Para Araújo, as importações
pedidas até agora são de cafés
especiais e de alta qualidade. "É
um marketing." O problema é
quando a indústria importar o
PVA (preto, verde, ardido -café de baixíssima qualidade).
Os países da América Central
têm dificuldades de colocar esses cafés no mercado mundial e
o Brasil poderá ser o destino.
Além disso, é um risco trazer
café verde ao país. Há a possibilidade da vinda de novas pragas
para cá, afirma Araújo.
A indústria de solúvel quer o
"drawback" (importações para
reexportações), mas pretende
trazer cafés africanos de baixa
qualidade para concorrer com
o conillon nacional, que está
mais valorizado, diz ele.
O jornalista MAURO ZAFALON
viajou a convite da Abic.
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