|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Para Paulo Skaf, presidente da entidade, Fazenda e BC estão olhando só para a inflação e barrando o crescimento
Fiesp declara "guerra" à equipe econômica
Fernando Donasci/Folha Imagem
|
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, diante da sede do órgão, na av. Paulista; ele diz que a inflação não deve ser a maior preocupação |
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo), Paulo Skaf, 50, tem sido, nos últimos meses, um dos
maiores críticos da política monetária do Banco Central. Ele decidiu agora aumentar o tom de sua
crítica. Afirma que o país tem de
travar uma verdadeira "guerra"
para minar o poder do grupo que,
há 20 anos, dita as regras da política econômica no país e que, segundo ele, está alojado no Banco
Central e no Ministério da Fazenda. "Esse grupo que manda hoje
na economia não pode continuar
ditando as regras no Brasil", diz.
"Está na hora de começarmos
uma guerra contra esse grupo."
De acordo com Skaf, a mentalidade desse grupo, de privilegiar o
combate à inflação, justificava-se
quando o Brasil convivia com índices de 80% ao mês. Mas a inflação, a seu ver, já deixou de ser o
principal problema do país. Para
Skaf, a prioridade hoje deveria ser
o crescimento. "O presidente da
República precisa direcionar o
Brasil para o crescimento", afirma. "É um erro dar tanto poder a
esse grupo monetarista."
Skaf, que completa no início de
2006 seu primeiro ano à frente da
Fiesp, refuta as acusações de que
os defensores de uma mudança
de rumo na política econômica
querem de volta um pouco mais
de inflação. "Quem fala isso ou
não sabe o que está falando ou
não está com boa-fé", afirma.
Folha - Qual o balanço que o senhor faz da economia em 2005?
Paulo Skaf - Lamentavelmente,
devemos fechar este ano com um
crescimento em torno de 2,3%. É
a metade do que a gente cresceu o
ano passado, é a metade do que o
mundo, em média, vai crescer
neste ano e é um terço do que os
países emergentes, em média, vão
crescer. Mais uma vez, um crescimento frustrante. O país só consegue resolver seus problemas, como de geração de emprego, distribuição de renda e necessidade de
mais investimento, se der ênfase
ao crescimento. Se o mundo tivesse crescido 1%, o crescimento de
2% seria bom, mas não foi o que
aconteceu. O mundo cresce em
média quase 5% e a gente cresce
apenas 2,3%, e há quase 20 anos
que isso se repete. Nas últimas
duas décadas, o crescimento do
Brasil tem sido abaixo da média.
Folha - Por quê?
Skaf - Nos últimos 20 anos, o
país tem convivido com o problema da inflação, uma inflação que
chegou a atingir 80% ao mês no
governo Sarney. Sem dúvida, era
o maior problema do Brasil. Nós
precisávamos nos defender, precisávamos destruir o monstro inflacionário. Para isso, foram abrigados no Ministério da Fazenda e
no Banco Central técnicos e, diga-se de passagem, bons brasileiros,
mas cuja visão era focada na moeda e no combate à inflação. São
pessoas que não estão erradas, até
porque a missão delas lá é essa.
A missão do Banco Central do
Brasil é diferente do banco central
americano [Fed], por exemplo,
que olha a moeda mas olha também o emprego e o desenvolvimento. Desde aquela época foi
formado um grupo que se aloja
até hoje no Banco Central e no
Ministério da Fazenda e que só
tem essas preocupações, a moeda
e a inflação.
Nós temos travado várias batalhas no país para pedir, por exemplo, uma queda maior dos juros
ou a aplicação de um choque de
gestão para combater o gasto público, mas agora estamos na hora
de começar uma guerra. Uma
guerra para mudar essa mentalidade que predomina neste país
nos últimos anos de privilegiar o
controle da moeda e o combate à
inflação. Quando nós vivíamos
uma inflação de 80% ao mês, o
poder desse grupo deveria ser
mesmo ilimitado. O grande inimigo era a inflação, e precisávamos destruir aquela inflação a
qualquer custo. Naquele momento, o país não podia mesmo dedicar suas atenções à tecnologia, ao
desenvolvimento, à educação, à
infra-estrutura, ao lazer e à cultura. Esse grupo era necessário. Era
importante ter esse grupo focado
na moeda e na inflação. Só que esse momento passou. Os tempos
mudaram e aquela fase acabou.
Os 80% de inflação ao mês viraram 4% a 5% de inflação ao ano.
Folha - O senhor acha que a inflação deixou de ser um problema para o país?
Skaf - A inflação deixou de ser o
maior problema do Brasil já há
bastante tempo. Nós temos outros problemas no Brasil. As nossas prioridades estão hoje na educação, na tecnologia e na infra-estrutura, por exemplo. A nossa
prioridade é conduzir o Brasil para uma rota de crescimento a índices elevados e de forma sustentável. O que acontece é que essas
pessoas, esses bons brasileiros, só
enxergam 20 do país. No passado, esses 20 valiam pelos 360,
mas hoje só valem 20. Só que essas pessoas ainda continuam com
muito poder, como se o país vivesse ainda uma inflação de 80%
ao mês. Veja, por exemplo, o caso
do Conselho Monetário Nacional,
que está praticamente nas mãos
do ministro da Fazenda [o CMN é
composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo
presidente do Banco Central].
Folha - Mas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, é médico.
Skaf - Eu não estou me referindo
a este ou a aquele ministro. Muitas vezes, o ministro nem entende
do assunto. É uma pessoa que
vem muitas vezes de fora, mas
acaba nas mãos desse grupo no
Banco Central. E é esse grupo que
define todas as regras no país. É
esse grupo que vê com receio o
crescimento. A cada vez que há
um sinal de aumento da demanda, esse grupo trata imediatamente de destruir essa demanda. Eles
não acreditam que é a demanda
que vai estimular o investimento e
que é a demanda com o investimento que vão levar o país ao
crescimento. No momento em
que você mata a demanda, você
atrofia o investimento, e, sem demanda e investimento, não tem
crescimento. No início do ano,
ouvi algumas pessoas dessa equipe chegarem a dizer que o país deveria crescer até 3%, quando o
mundo cresce a taxas de 5%. O
pior é que nem os 3% conseguiram acertar. Eles programaram
crescimento de 3% e nós vamos
terminar o ano com 2,3%. Perdemos mais uma oportunidade.
Folha - O Banco Central errou na
dose na política monetária?
Skaf - É inegável que os juros subiram de forma absurda e desnecessária. É inegável que, se os juros tivessem subido muito menos, não haveria nenhum reflexo
diferente na inflação.
É inegável que os juros agora estão baixando com menor velocidade do que seria necessário, e é
inegável que, se não houver um
reconhecimento disso e não se fizerem ajustes na política econômica e, em especial, na política
monetária, nós podemos comprometer o ano que vem. É por isso que temos de travar uma guerra para reduzirmos o poder de um
grupo que só sabe enxergar moeda e inflação. É hora de mudar.
Folha - O que o sr. sugere para
mudar esse modelo?
Skaf - Nós temos de ampliar o
Conselho Monetário Nacional.
Não é para pôr empresário, mas
para ampliar com outras pessoas
da sociedade. Ampliar é sair de
três, que é hoje, para cinco, seis ou
sete. Não é ampliar para 70. Nós
temos também de criar um conselho estratégico no país que discuta essas questões. O Presidente
da República precisa direcionar o
Brasil para o crescimento. Esse
grupo que manda hoje na economia não pode continuar ditando
as regras no Brasil. É um erro dar
tanto pode a esse grupo monetarista. O Brasil está em outra etapa,
em outro momento e não pode
continuar tendo dentro do Ministério da Fazenda e do Banco Central aqueles que ditam as regras
para o país.
Folha - Por que o sr. acha que isso
se mantém até hoje?
Skaf - O fantasma da inflação ficou um pouco na cabeça de todos
nós e essas pessoas assumiram
um espaço maior no poder. O ciclo da inflação já passou, mas essas pessoas continuaram. Agora é
a hora de mudar.
Folha - O sr. acha necessário mudar a equipe?
Skaf - Acho que é a hora de esses
bons brasileiros continuarem a
sua missão atentos à moeda, atentos à inflação, mas sem o poder de
definir o futuro do Brasil. É muita
coisa para eles. A visão deles é focada exclusivamente na questão
inflacionária. Neste ano, por
exemplo, se não tivéssemos adotado essa política, o Brasil poderia
ter tido juros menores, não teríamos inflação e o país poderia ter
crescido de 4% a 5%.
Folha - Quais suas previsões para
2006?
Skaf - O ano que vem pode ser a
mesma coisa. Se houver ajustes na
política econômica, ou seja, no
sentido de reduzir o poder desse
grupo que só olha 20 do país, nós
podemos ter um crescimento entre 4,5% e 5%. Se não houver, nós
vamos ter um crescimento entre
2,5% a 3% de novo e vamos perder mais uma vez a oportunidade
de crescer.
Folha - Mas o país não precisava
dessa dose para terminar com a inflação?
Skaf - Durante o ano eu ouvi
gente dizendo que era preciso segurar a demanda porque poderia
haver escassez de produto e escassez é sinônimo de aumento de
preço. Conversa. Em momento
nenhum tivemos o setor produtivo a pleno. Tínhamos só três ou
quatro setores que, devido às exportações, estavam com forte capacidade, com 80% a 85% de capacidade ocupada, mas a maioria
do setor não se encontrava nessa
situação. Também se usa outro
argumento, de que é preciso frear
o crescimento por falta de infra-estrutura. Costuma-se dizer que a
necessidade é a mãe das invenções. Quando você tem a necessidade, você inventa, cria, esforça-se, e as coisas acontecem.
A China está há 20 anos crescendo a taxas de 7%, 8% e até 9% ao
ano. Os países emergentes estão
crescendo e não estavam com toda a infra-estrutura pronta. O país
precisa romper essa mentalidade
de operação caranguejo. Ou rompe ou continua do jeito que está. O
Brasil não agüenta mais isso. Isso
não é problema deste ano e do
passado. Isso já vem acontecendo
há duas décadas. A inflação é um
problema que está sob controle.
Folha - Mas, se mudar a política,
nós não corremos o risco da volta
da inflação?
Skaf - Então não vamos fazer
mais nada no país? Até para diminuir o risco da inflação nós precisamos aumentar o investimento.
Quanto mais investimento, mais
produção e mais oferta. A inflação
também se regula pela oferta. Você não pode sempre regular a inflação só contendo a demanda. É
preciso aumentar a oferta.
Folha - Críticos dizem que quem
defende a mudança é quem, no
fundo, quer um pouco de inflação.
Skaf - Quem fala isso ou não sabe o que está falando ou não está
com boa-fé. O Brasil não pode ter
medo de crescer. A solução dos
problemas está no crescimento.
Caso contrário, nós vamos continuar com esse crescimento medíocre. Eu não aceito quando se
fala que quem defende essa mudança quer a inflação. Isso é uma
apelação. Ninguém quer a inflação. Ninguém está falando para
deixar de ficar atento com a inflação. Ninguém está falando que
não se deve defender a moeda. É
por isso que defendo a criação de
um fórum estratégico para discutir a economia, mas que não seja
bitolado só em moeda e inflação.
E, claro, que tenha poder. Não
adianta criar esses fóruns para
não ser ouvido. Essa é a minha sugestão ao presidente Lula para o
ano de 2006. Na verdade, para o
presidente Lula e para os futuros
presidentes do Brasil. O Brasil
precisa tomar decisões corajosas
no sentido de não ter medo do
crescimento.
Texto Anterior: Lições Contemporâneas - Luciano Coutinho: O custo do arbítrio auto-suficiente Próximo Texto: Frases Índice
|