São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 2005

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ENTREVISTA

Para Paulo Skaf, presidente da entidade, Fazenda e BC estão olhando só para a inflação e barrando o crescimento

Fiesp declara "guerra" à equipe econômica

Fernando Donasci/Folha Imagem
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, diante da sede do órgão, na av. Paulista; ele diz que a inflação não deve ser a maior preocupação


GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, 50, tem sido, nos últimos meses, um dos maiores críticos da política monetária do Banco Central. Ele decidiu agora aumentar o tom de sua crítica. Afirma que o país tem de travar uma verdadeira "guerra" para minar o poder do grupo que, há 20 anos, dita as regras da política econômica no país e que, segundo ele, está alojado no Banco Central e no Ministério da Fazenda. "Esse grupo que manda hoje na economia não pode continuar ditando as regras no Brasil", diz. "Está na hora de começarmos uma guerra contra esse grupo."
De acordo com Skaf, a mentalidade desse grupo, de privilegiar o combate à inflação, justificava-se quando o Brasil convivia com índices de 80% ao mês. Mas a inflação, a seu ver, já deixou de ser o principal problema do país. Para Skaf, a prioridade hoje deveria ser o crescimento. "O presidente da República precisa direcionar o Brasil para o crescimento", afirma. "É um erro dar tanto poder a esse grupo monetarista."
Skaf, que completa no início de 2006 seu primeiro ano à frente da Fiesp, refuta as acusações de que os defensores de uma mudança de rumo na política econômica querem de volta um pouco mais de inflação. "Quem fala isso ou não sabe o que está falando ou não está com boa-fé", afirma.
 

Folha - Qual o balanço que o senhor faz da economia em 2005?
Paulo Skaf -
Lamentavelmente, devemos fechar este ano com um crescimento em torno de 2,3%. É a metade do que a gente cresceu o ano passado, é a metade do que o mundo, em média, vai crescer neste ano e é um terço do que os países emergentes, em média, vão crescer. Mais uma vez, um crescimento frustrante. O país só consegue resolver seus problemas, como de geração de emprego, distribuição de renda e necessidade de mais investimento, se der ênfase ao crescimento. Se o mundo tivesse crescido 1%, o crescimento de 2% seria bom, mas não foi o que aconteceu. O mundo cresce em média quase 5% e a gente cresce apenas 2,3%, e há quase 20 anos que isso se repete. Nas últimas duas décadas, o crescimento do Brasil tem sido abaixo da média.

Folha - Por quê?
Skaf -
Nos últimos 20 anos, o país tem convivido com o problema da inflação, uma inflação que chegou a atingir 80% ao mês no governo Sarney. Sem dúvida, era o maior problema do Brasil. Nós precisávamos nos defender, precisávamos destruir o monstro inflacionário. Para isso, foram abrigados no Ministério da Fazenda e no Banco Central técnicos e, diga-se de passagem, bons brasileiros, mas cuja visão era focada na moeda e no combate à inflação. São pessoas que não estão erradas, até porque a missão delas lá é essa.
A missão do Banco Central do Brasil é diferente do banco central americano [Fed], por exemplo, que olha a moeda mas olha também o emprego e o desenvolvimento. Desde aquela época foi formado um grupo que se aloja até hoje no Banco Central e no Ministério da Fazenda e que só tem essas preocupações, a moeda e a inflação.
Nós temos travado várias batalhas no país para pedir, por exemplo, uma queda maior dos juros ou a aplicação de um choque de gestão para combater o gasto público, mas agora estamos na hora de começar uma guerra. Uma guerra para mudar essa mentalidade que predomina neste país nos últimos anos de privilegiar o controle da moeda e o combate à inflação. Quando nós vivíamos uma inflação de 80% ao mês, o poder desse grupo deveria ser mesmo ilimitado. O grande inimigo era a inflação, e precisávamos destruir aquela inflação a qualquer custo. Naquele momento, o país não podia mesmo dedicar suas atenções à tecnologia, ao desenvolvimento, à educação, à infra-estrutura, ao lazer e à cultura. Esse grupo era necessário. Era importante ter esse grupo focado na moeda e na inflação. Só que esse momento passou. Os tempos mudaram e aquela fase acabou. Os 80% de inflação ao mês viraram 4% a 5% de inflação ao ano.

Folha - O senhor acha que a inflação deixou de ser um problema para o país?
Skaf -
A inflação deixou de ser o maior problema do Brasil já há bastante tempo. Nós temos outros problemas no Brasil. As nossas prioridades estão hoje na educação, na tecnologia e na infra-estrutura, por exemplo. A nossa prioridade é conduzir o Brasil para uma rota de crescimento a índices elevados e de forma sustentável. O que acontece é que essas pessoas, esses bons brasileiros, só enxergam 20 do país. No passado, esses 20 valiam pelos 360, mas hoje só valem 20. Só que essas pessoas ainda continuam com muito poder, como se o país vivesse ainda uma inflação de 80% ao mês. Veja, por exemplo, o caso do Conselho Monetário Nacional, que está praticamente nas mãos do ministro da Fazenda [o CMN é composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central].

Folha - Mas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, é médico.
Skaf -
Eu não estou me referindo a este ou a aquele ministro. Muitas vezes, o ministro nem entende do assunto. É uma pessoa que vem muitas vezes de fora, mas acaba nas mãos desse grupo no Banco Central. E é esse grupo que define todas as regras no país. É esse grupo que vê com receio o crescimento. A cada vez que há um sinal de aumento da demanda, esse grupo trata imediatamente de destruir essa demanda. Eles não acreditam que é a demanda que vai estimular o investimento e que é a demanda com o investimento que vão levar o país ao crescimento. No momento em que você mata a demanda, você atrofia o investimento, e, sem demanda e investimento, não tem crescimento. No início do ano, ouvi algumas pessoas dessa equipe chegarem a dizer que o país deveria crescer até 3%, quando o mundo cresce a taxas de 5%. O pior é que nem os 3% conseguiram acertar. Eles programaram crescimento de 3% e nós vamos terminar o ano com 2,3%. Perdemos mais uma oportunidade.

Folha - O Banco Central errou na dose na política monetária?
Skaf -
É inegável que os juros subiram de forma absurda e desnecessária. É inegável que, se os juros tivessem subido muito menos, não haveria nenhum reflexo diferente na inflação.
É inegável que os juros agora estão baixando com menor velocidade do que seria necessário, e é inegável que, se não houver um reconhecimento disso e não se fizerem ajustes na política econômica e, em especial, na política monetária, nós podemos comprometer o ano que vem. É por isso que temos de travar uma guerra para reduzirmos o poder de um grupo que só sabe enxergar moeda e inflação. É hora de mudar.

Folha - O que o sr. sugere para mudar esse modelo?
Skaf -
Nós temos de ampliar o Conselho Monetário Nacional. Não é para pôr empresário, mas para ampliar com outras pessoas da sociedade. Ampliar é sair de três, que é hoje, para cinco, seis ou sete. Não é ampliar para 70. Nós temos também de criar um conselho estratégico no país que discuta essas questões. O Presidente da República precisa direcionar o Brasil para o crescimento. Esse grupo que manda hoje na economia não pode continuar ditando as regras no Brasil. É um erro dar tanto pode a esse grupo monetarista. O Brasil está em outra etapa, em outro momento e não pode continuar tendo dentro do Ministério da Fazenda e do Banco Central aqueles que ditam as regras para o país.

Folha - Por que o sr. acha que isso se mantém até hoje?
Skaf -
O fantasma da inflação ficou um pouco na cabeça de todos nós e essas pessoas assumiram um espaço maior no poder. O ciclo da inflação já passou, mas essas pessoas continuaram. Agora é a hora de mudar.

Folha - O sr. acha necessário mudar a equipe?
Skaf -
Acho que é a hora de esses bons brasileiros continuarem a sua missão atentos à moeda, atentos à inflação, mas sem o poder de definir o futuro do Brasil. É muita coisa para eles. A visão deles é focada exclusivamente na questão inflacionária. Neste ano, por exemplo, se não tivéssemos adotado essa política, o Brasil poderia ter tido juros menores, não teríamos inflação e o país poderia ter crescido de 4% a 5%.

Folha - Quais suas previsões para 2006?
Skaf -
O ano que vem pode ser a mesma coisa. Se houver ajustes na política econômica, ou seja, no sentido de reduzir o poder desse grupo que só olha 20 do país, nós podemos ter um crescimento entre 4,5% e 5%. Se não houver, nós vamos ter um crescimento entre 2,5% a 3% de novo e vamos perder mais uma vez a oportunidade de crescer.

Folha - Mas o país não precisava dessa dose para terminar com a inflação?
Skaf -
Durante o ano eu ouvi gente dizendo que era preciso segurar a demanda porque poderia haver escassez de produto e escassez é sinônimo de aumento de preço. Conversa. Em momento nenhum tivemos o setor produtivo a pleno. Tínhamos só três ou quatro setores que, devido às exportações, estavam com forte capacidade, com 80% a 85% de capacidade ocupada, mas a maioria do setor não se encontrava nessa situação. Também se usa outro argumento, de que é preciso frear o crescimento por falta de infra-estrutura. Costuma-se dizer que a necessidade é a mãe das invenções. Quando você tem a necessidade, você inventa, cria, esforça-se, e as coisas acontecem.
A China está há 20 anos crescendo a taxas de 7%, 8% e até 9% ao ano. Os países emergentes estão crescendo e não estavam com toda a infra-estrutura pronta. O país precisa romper essa mentalidade de operação caranguejo. Ou rompe ou continua do jeito que está. O Brasil não agüenta mais isso. Isso não é problema deste ano e do passado. Isso já vem acontecendo há duas décadas. A inflação é um problema que está sob controle.

Folha - Mas, se mudar a política, nós não corremos o risco da volta da inflação?
Skaf -
Então não vamos fazer mais nada no país? Até para diminuir o risco da inflação nós precisamos aumentar o investimento. Quanto mais investimento, mais produção e mais oferta. A inflação também se regula pela oferta. Você não pode sempre regular a inflação só contendo a demanda. É preciso aumentar a oferta.

Folha - Críticos dizem que quem defende a mudança é quem, no fundo, quer um pouco de inflação.
Skaf -
Quem fala isso ou não sabe o que está falando ou não está com boa-fé. O Brasil não pode ter medo de crescer. A solução dos problemas está no crescimento. Caso contrário, nós vamos continuar com esse crescimento medíocre. Eu não aceito quando se fala que quem defende essa mudança quer a inflação. Isso é uma apelação. Ninguém quer a inflação. Ninguém está falando para deixar de ficar atento com a inflação. Ninguém está falando que não se deve defender a moeda. É por isso que defendo a criação de um fórum estratégico para discutir a economia, mas que não seja bitolado só em moeda e inflação. E, claro, que tenha poder. Não adianta criar esses fóruns para não ser ouvido. Essa é a minha sugestão ao presidente Lula para o ano de 2006. Na verdade, para o presidente Lula e para os futuros presidentes do Brasil. O Brasil precisa tomar decisões corajosas no sentido de não ter medo do crescimento.


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