São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 2005

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ENTREVISTA

Roger Agnelli ressalta firmeza do Ministério da Fazenda e nega que a crise política tenha afetado a economia

Presidente da Vale elogia política econômica

PEDRO SOARES
ENVIADO ESPECIAL A PARAGOMINAS (PA)

A queda do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre foi um movimento sazonal que deve retroceder, segundo o presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, 46. Para ele, diferentemente do que afirmam o Ipea e consultorias, a crise política não afetou a economia.
"A crise política tem seus efeitos. Traz preocupações na área política, mas a área econômica está andando bem. Eu não atribuo o desaquecimento do terceiro trimestre à crise política. Atribuo muito mais ao desaquecimento de alguns setores que acho que daqui a pouco devem reverter."
Agnelli cobrou ainda mais agilidade, eficiência, aperfeiçoamentos na regulação e menos instâncias oficiais na questão do ambiente, que em muitos casos atrasa projetos da companhia. "O que precisa ter é uma centralização no sentido de promover velocidade na concessão das licenças. Isso tudo não deve e não pode e não tem como impedir o desenvolvimento", disse, em entrevista exclusiva à Folha, concedida em Paragominas, onde o executivo participou da formatura de 1.200 alunos do projeto "Vale Alfabetizar", voltado para a alfabetização de adultos.
Mais nociva ao ambiente, diz, é a miséria, que pode ser combatida com geração de renda. "A gente tem de levar em consideração que a pobreza e a miséria destroem o ambiente."
Leia, a seguir, a entrevista.

O repórter Pedro Soares viajou a convite da Vale do Rio Doce

 

Folha - O Ipea atribuiu a queda de 1,2% no PIB do terceiro trimestre à crise política. O sr. concorda?
Roger Agnelli -
Não. Na minha visão, é um tanto quanto sazonal. Tem oscilações para cima e para baixo. Pode haver um trimestre que desacelera mais e outro menos. Houve em 2004 um crescimento bom. Neste ano, o país está crescendo ante o ano passado. Não vejo isso como tendência. A economia mundial continua bastante forte, aquecida. Acho que os recursos estão entrando. O dólar acomodou-se, o real se apreciou. Há uma confiança no país muito maior do que se tinha antes. E não há reflexo em termos de nervosismo do mercado. Acho que a crise política tem seus efeitos, na área política, mas na área econômica está andando bem. Não atribuo o desaquecimento do terceiro trimestre à crise política. Atribuo muito mais ao desaquecimento de alguns setores, que acho que daqui a pouco devem reverter.

Folha - Como o sr. vê a divisão interna do governo sobre a condução da política econômica?
Agnelli -
Em qualquer país, ainda mais como o Brasil, com um população jovem, dinâmica e com o empresariado dinâmico, todo mundo quer crescer. Os políticos também. Todo mundo quer crescer. O problema é como dosar esse crescimento sem voltar aos erros do passado: a inflação. A inflação é o pior imposto, principalmente para os pobres. Até aqui, a política econômica tem dado bons resultados. O risco-país caiu. O dólar está sob controle. Está tudo de alguma forma funcionando. Há uma preocupação grande com a dose do juro, com a sobrevalorização do real. Isso tudo tem de ser ajustado. Agora, é uma discussão saudável. Quem não quer crescimento? Todo mundo quer: o Banco Central, o Ministério da Fazenda, que tem sido firme na condução da política e bem-sucedido nesse ponto.

Folha - Mas o sr. não acha que a politica monetária tenha sido excessivamente conservadora?
Agnelli -
Ela tem sido, sim, conversadora. Mas, olhando para trás, não posso dizer se ela foi excessivamente ou pouco conservadora. O fato é que a inflação está sob controle, o risco-país caiu e o dólar não decolou. Não tivemos desvalorização cambial. Pelo contrário: tivemos uma apreciação do real. Se comparar o PIB em dólar, o crescimento é fortíssimo ante o ano passado. Daqui para a frente, temos de discutir: será que é preciso ter esse nível de taxa de juro? E é o que a sociedade está discutindo. Acho isso salutar.

Folha - O sr. tem ressaltado a importância de avançar na regulação ambiental. A Vale se sente prejudicada pelo suposto excesso de zelo dos órgãos de ambiente?
Agnelli -
Há um problema de fundo que é pura e simplesmente de definição de clareza, de regulamentação e de legislação. A gente tem de parar um pouco, analisar e ver como conseguir agilizar os processos e ter prazo determinado para conseguir obter a licença, executar um projeto. É importante que todos os projetos tenham como princípio o respeito ambiental. É fundamental. Há vários organismos internacionais que olham se as empresas, principalmente as grandes, respeitam todas as condições socioambientais.
No caso da Vale, todos os nossos projetos são desenvolvidos e executados com o que há de mais avançado em termos de preservação do ambiente, no sentido de compensar ou recuperar qualquer dano que possa ser causado. Então a gente se pauta por isso, porque, se a gente não o fizer, os clientes deixam de comprar nossos produtos. É uma questão da mineração: respeito ao ambiente. Jamais vou criticar ou dizer que o ambiente atrapalha. O que precisa ter é uma regulamentação e uma legislação com clareza e determinando quem faz o quê, quando e como. Se um projeto tem condições de preservar o ambiente, se levou em consideração todas as regras, por que não conceder a licença? É necessária uma centralização para promover velocidade na concessão das licenças. Isso não deve, não pode e não tem como impedir o desenvolvimento.

Folha - E é isso o que está acontecendo no Brasil?
Agnelli -
A gente tem diversos projetos que têm todo o cuidado, todo o zelo, e as licenças -muitas vezes, por uma questão de instâncias e do número de audiências e por uma questão de problemas da própria legislação- demoram. Tem de ter um lugar onde se possa mostrar o projeto, melhorar naquilo que tiver de melhorar, assumir o que precisa assumir, mas que se possa executar o projeto.

Folha - Haveria uma superposição de órgãos reguladores?
Agnelli -
Existe. Há municípios, Estados, governo federal, as comunidades de um modo geral. Tem ainda o Ministério Público. Tem todas essas instâncias, o que faz o processo muito lento. Acho que, no passado, alguns países, setores e sociedades não prestaram atenção ao ambiente. A gente vem nos últimos anos aprendendo com erros do passado. A mineração teve uma imagem de um setor que nunca cuidou do ambiente. Mas posso dizer que as empresas modernas, as grandes e médias mineradoras e o empresário moderno têm consciência e atuado para preservar a natureza.
Mas a gente de tem de levar em consideração que a pobreza e a miséria destroem o ambiente. É o que mais destrói. Se tem um projeto que pode gerar renda e que seja bem desenvolvido para respeitar o ambiente, esse projeto tem de ir em frente. Não pode atrasar a licença.

Folha - O ambiente foi um dos fatores que levaram ao fracasso do pólo siderúrgico do Maranhão?
Agnelli -
Não. No caso do Maranhão, é uma questão da definição do terreno. Há problemas de famílias que estão ocupando o terreno. Há problema também de licenciamento ambiental. Mas nem chegou a entrar na questão do licenciamento porque não se conseguiu desenvolver o projeto básico, pois não sabia onde seria o projeto. Não havia nem o local. Sem isso, não há como pedir o licenciamento. Nesse caso, de forma nenhuma é o ambiente, a quem todos temos de respeitar. Se o projeto não tiver como compensar danos ambientais, que não seja aprovado. Mas, para dizer sim ou não, tem de falar rápido.

Folha - Como estão as negociações para o reajuste do minério no ano que vem, depois do aumento recorde de 71,5% em 2005?
Agnelli -
Não há nada definido. Tem muita conversa ainda.


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