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ARTIGO
Somos todos keynesianos
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Somos todos keynesianos,
agora. Quando Barack Obama
assumir a Presidência, proporá
um gigantesco pacote de estímulo fiscal. Pacotes semelhantes estão sendo propostos por
diversos governos.
O fantasma de John Maynard Keynes (1883-1946), pai
da macroeconomia, voltou para nos assombrar. Com ele retornou o de seu mais interessante discípulo, Hyman
Minsky. Todos sabemos agora
o que quer dizer o "Momento
Minsky" -o ponto no qual um
período de mania financeira se
transforma em pânico.
Como todos os profetas, Keynes ofereceu lições ambíguas
aos seus seguidores. Poucos
ainda crêem na sintonia fina
fiscal que seus discípulos propunham nas décadas após a 2ª
Guerra. Mas ninguém mais
acredita, tampouco, nas metas
monetárias propostas pelo celebrado adversário intelectual
de Keynes, o americano Milton
Friedman (1912-2006). Agora,
62 anos após a morte do economista britânico, numa nova era
de crise financeira, é mais fácil
compreender o que segue relevante em seus ensinamentos.
Eu vejo três lições amplas.
A primeira, desenvolvida por
Minsky, é que não deveríamos
levar a sério as pretensões dos
financistas. "Um banqueiro sólido não é aquele que prevê o
perigo e o evita, mas o que,
quando quebra, quebra ao modo convencional, em companhia de seus pares, de maneira
a que ninguém possa culpá-lo."
Ou seja, o conceito de "mercados eficientes" não era com ele.
A segunda lição é a de que a
economia não pode ser analisada da mesma maneira que uma
empresa individual. Para uma
empresa, faz sentido cortar
custos. Caso o mundo tente fazê-lo, resultará numa contração da demanda. Um indivíduo
pode não gastar toda sua renda,
mas o mundo deve fazê-lo.
A terceira e mais importante
lição é que a economia não deveria ser tratada como uma
narrativa moral. Nos anos
1930, havia duas visões ideológicas opostas em competição: a
austríaca e a socialista. Os austríacos Ludwig von Mises e
Friedrich von Hayek argumentavam que era necessário purgar os excessos dos anos 1920.
Os socialistas argumentavam
que o socialismo precisava
substituir completamente o capitalismo. As posições se baseavam em religiões laicas concorrentes: a primeira, na idéia de
que a busca de vantagem pelos
indivíduos garantia uma ordem
econômica estável; a segunda,
na idéia de que essa motivação
só poderia conduzir a exploração, instabilidade e crise.
Keynes foi um gênio peculiarmente inglês, já que insistia
em que deveríamos abordar
um sistema econômico não como uma narrativa moral, mas
como um desafio técnico. Ele
desejava preservar o máximo
de liberdade, mas reconhecia
que um Estado mínimo era inaceitável em uma sociedade democrática e de economia urbanizada. Desejava preservar a
economia de mercado, mas não
acreditava que o "laissez-faire"
propicia tudo de melhor no melhor dos mundos possíveis.
Esse mesmo debate moralista retornou, hoje. Os "liquidacionistas" insistem em que um
colapso resultaria no renascimento de uma economia purificada. Seus oponentes de esquerda argumentam que a era
dos mercados acabou. E mesmo eu desejo punição aos alquimistas financeiros que alegavam que dívidas cada vez maiores serviriam para transformar
chumbo econômico em ouro.
Para Keynes, abordagens como essas são tolas. Os mercados não são infalíveis ou indispensáveis. Servem de sustentação a uma economia produtiva
e às liberdades individuais. Mas
também podem sair do rumo, e
precisam ser administrados.
A tarefa urgente é restaurar a
saúde da economia mundial.
O desafio de prazo mais curto
é sustentar a demanda agregada, como Keynes recomendaria. Igualmente importante será o financiamento direto do
banco central à captação. Boa
parte do ônus caberá aos EUA,
em larga medida porque europeus, japoneses e até chineses
são inertes demais, complacentes demais ou fracos demais.
Dada a correção do consumo
doméstico já em curso nos países com déficits comerciais, é
provável que esse período de altos gastos dos governos persista por anos. Ao mesmo tempo, é
preciso um grande esforço para
purgar os balanços domiciliares e do sistema financeiro.
Converter dívida em capital
certamente será necessário.
Também pragmática deve
ser a tentativa de construir um
novo sistema de regulamentação financeira mundial e uma
política monetária que contenha os "booms" de crédito e as
bolhas de ativos. Como Minsky
deixou claro, não há resposta
permanente. Mas reconhecer a
fragilidade sistêmica de um sistema financeiro complexo poderia ser um bom começo.
Como foi o caso nos anos
1930, temos uma escolha: lidar
com esses desafios de forma
cooperativa e pragmática ou
permitir que as viseiras ideológicas e o egoísmo nos obstruam. O objetivo é claro: preservar uma economia mundial
aberta e ao menos razoavelmente estável, que ofereça
oportunidades à maior proporção possível da humanidade.
Como Oscar Wilde poderia
ter dito, na economia a verdade
é raramente pura e jamais simples. É a maior lição da crise. E
também uma lição de Keynes.
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