São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

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WOLFGANG MÜNCHAU

Seguir o Fed pode não bastar


Não devemos nos iludir e acreditar que a política monetária será capaz de salvar o mundo

US$ 1,40, US$ 1,44, US$ 1,47, US$ 1,39. Essas foram as cotações de só quatro dias. A velocidade com que o euro subiu ante o dólar e a libra na semana passada, antes de sofrer um revés ante o dólar na sexta-feira, foi espantosa. Em base ponderada pelo volume de comércio internacional, o euro atingiu sua mais alta cotação em todos os tempos.
Essa convulsão nas cotações é uma reação direta a políticas monetárias não sincronizadas. O Fed anunciou que passaria a conduzir um relaxamento agressivo de sua política monetária, para reforçar a liquidez na economia por meio da compra direta de ativos financeiros.
O Banco da Inglaterra anunciou que poderia seguir pelo mesmo caminho. O Banco Central Europeu (BCE) não sinalizou coisa alguma. E o euro desembestou.
O BCE acompanhará o Fed a caminho do juro zero? Meu palpite é que os europeus seguirão os norte-americanos até o limite do juro zero, ou quase, por três motivos:
A dramática valorização do euro nas duas últimas semanas representa um aperto significativo na política, o que compensa quase todos os recentes cortes de juros. Os EUA adotaram uma política que resultará em inflação em longo prazo, e suspeito de que o Fed obterá sucesso em seu esforço. O Fed provavelmente não terá pressa de reverter essa política, de modo que será permitido um acúmulo de pressões inflacionárias, e isso deve enfraquecer ainda mais o dólar, para dizer o mínimo.
De uma perspectiva européia, existe um risco agudo de compensação excessiva das taxas de câmbio e, somada à queda na demanda mundial por bens europeus, essa tendência poderia produzir efeitos devastadores sobre os exportadores.
O segundo motivo é a probabilidade ligeiramente mais alta de deflação. Continuo a acreditar que essa probabilidade não seja muito elevada. Mas ela se elevará caso a economia continue a se deteriorar em ritmo semelhante ao atual.
Terceiro, a política monetária precisa de alguma maneira compensar uma resposta fiscal tímida demais, estrutural demais e descoordenada demais. A Alemanha planeja novo pacote de estímulo, mas de menos de 1% do PIB, e dirigido primordialmente à infra-estrutura. Para a zona do euro como um todo, praticamente não haverá apoio fiscal à economia em 2009, se desconsiderarmos o efeito dos mecanismos automáticos de estabilização. É por isso que a política monetária terá papel tão importante a exercer.
Mas será que os europeus terminarão por adotar a outra forma de relaxamento quantitativo que o Fed vem usando como ferramenta e explodirão seus balanços por meio da emissão de dinheiro para a aquisição de títulos? Estou cético quanto aos benefícios dessa política. Não estamos passando por uma crise de liquidez, mas por uma de solvência, que se expressa em forma de "spreads" largos e mercados monetários disfuncionais. Não vejo de que maneira adicionar mais e mais liquidez ao sistema resolveria.
Em lugar de medidas de apoio a cada banco e de inundar o mercado com dinheiro, precisamos de uma reestruturação e redução do setor bancário, como primeiro passo para uma solução sustentável para essa crise. Relaxamento quantitativo sem reforma estrutural profunda nas finanças pode causar imensos problemas em longo prazo.
Não devemos nos iludir e acreditar que a política monetária será capaz de salvar o mundo. Ela tem papel útil a desempenhar, especialmente porque não temos estômago para a resposta fiscal mais adequada. Mas isso não impedirá a pior queda de nossa geração.


WOLFGANG MÜNCHAU é colunista do "Financial Times".

tradução de PAULO MIGLIACCI

Hoje, excepcionalmente, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.


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