São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Washington está perdendo a América Latina?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Desde 2000, as forças políticas latino-americanas mais identificadas com Washington sofreram derrotas sucessivas. Até o México, "tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos", dá alguns sinais de rebeldia. Nos EUA, já há quem pergunte: "Washington está perdendo a América Latina?".
Repare no verbo, leitor: "perdendo". Eles nos tinham, de fato. Nos anos 90, quase todos os países da América Latina eram governados por políticos alinhados aos EUA. Foi o tempo de Menem, Fujimori, Collor, FHC e outros, que funcionavam basicamente como instrumentos do poder americano -alguns com mais entusiasmo, outros com menos. Eram os procônsules da "Pax Americana". O chamado Consenso de Washington costumava ser aceito, sem maiores contestações, como breviário das políticas econômicas adequadas. A Alca, lançada pelos EUA em 1994, era vista como inevitável.
Entramos pelo cano, como seria de prever. Governado de fora para dentro, nenhum país pode ser bem-sucedido. Os resultados do proconsulado oscilaram entre o desastroso (Argentina) e o medíocre (Brasil).
Veio então a reação. Nas ruas e nas urnas. Hoje, a maior parte da América do Sul tem governos que se situam do centro para a esquerda do espectro político. Em alguns casos, as mudanças têm sido muito pequenas e graduais. Mas prevalece um certo distanciamento em relação às políticas econômicas e internacionais dos anos 90. Poucos se dispõem a seguir os EUA cegamente.
Evidentemente, Washington não assiste a essas mudanças de braços cruzados. A superpotência tem trunfos poderosos e não hesita em utilizá-los. Um deles é a herança de vulnerabilidade financeira externa deixada pelos procônsules. Governos eleitos para mudar a economia dos seus países vêem-se constrangidos por restrições financeiras e cambiais e são obrigados a prestar contas ao FMI.
Outros trunfos importantes são os acordos bilaterais de comércio, no modelo Nafta-Alca. Com as negociações da Alca paralisadas, os EUA voltaram-se para entendimentos com países individuais ou grupos de países. Chile e alguns países centro-americanos já aceitaram o modelo, que implica substancial perda de autonomia e redução de margem de manobra no desenho de políticas de desenvolvimento. No final de 2005, o Peru também concluiu as negociações de um acordo comercial do mesmo tipo com os EUA.
Para que lado penderá a América do Sul? A Argentina e, em especial, a Venezuela seguem uma linha abertamente nacionalista e de contestação da hegemonia norte-americana. O Brasil, embora mais cauteloso, já não está tão vulnerável a pressões externas. Desde 2002, houve notável ajustamento da conta corrente do balanço de pagamentos e uma certa recomposição das reservas internacionais do país. O acordo com o FMI foi encerrado em março de 2005. A tríade Argentina-Brasil-Venezuela tem condições de articular um projeto ambicioso de integração sul-americana.
O caminho natural é ampliar o Mercosul. A Venezuela está em processo de adesão ao bloco. Com a eleição de Evo Morales, a Bolívia poderá seguir o mesmo caminho. Dependendo do resultado da eleição presidencial de abril no Peru, é possível que o acordo bilateral com os EUA não venha a ser ratificado. Quem lidera as pesquisas de intenção de voto é um candidato nacionalista, Ollanta Humala, adversário declarado desse tratado.
Argentina, Brasil e Venezuela têm um papel fundamental a desempenhar, principalmente o Brasil, o maior e mais desenvolvido país do continente. Trata-se de reconhecer que a integração sul-americana só poderá prosperar se os países mais fortes estiverem dispostos a fazer concessões e a dar tratamento preferencial e diferenciado aos países menores e menos desenvolvidos.
Não podemos perder de vista o muito que está em jogo. Conseguiremos construir um bloco sul-americano num mundo crescentemente multipolar? Ou voltaremos à condição de satélites de um bloco comandado por Washington?


Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV- EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail: pnbjr@attglobal.net


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