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OPINIÃO ECONÔMICA
Washington está perdendo a América Latina?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Desde 2000, as forças políticas latino-americanas mais
identificadas com Washington
sofreram derrotas sucessivas. Até
o México, "tão longe de Deus e tão
perto dos Estados Unidos", dá alguns sinais de rebeldia. Nos EUA,
já há quem pergunte: "Washington está perdendo a América Latina?".
Repare no verbo, leitor: "perdendo". Eles nos tinham, de fato.
Nos anos 90, quase todos os países
da América Latina eram governados por políticos alinhados aos
EUA. Foi o tempo de Menem, Fujimori, Collor, FHC e outros, que
funcionavam basicamente como
instrumentos do poder americano -alguns com mais entusiasmo, outros com menos. Eram os
procônsules da "Pax Americana".
O chamado Consenso de Washington costumava ser aceito,
sem maiores contestações, como
breviário das políticas econômicas adequadas. A Alca, lançada
pelos EUA em 1994, era vista como inevitável.
Entramos pelo cano, como seria
de prever. Governado de fora para dentro, nenhum país pode ser
bem-sucedido. Os resultados do
proconsulado oscilaram entre o
desastroso (Argentina) e o medíocre (Brasil).
Veio então a reação. Nas ruas e
nas urnas. Hoje, a maior parte da
América do Sul tem governos que
se situam do centro para a esquerda do espectro político. Em
alguns casos, as mudanças têm sido muito pequenas e graduais.
Mas prevalece um certo distanciamento em relação às políticas
econômicas e internacionais dos
anos 90. Poucos se dispõem a seguir os EUA cegamente.
Evidentemente, Washington
não assiste a essas mudanças de
braços cruzados. A superpotência
tem trunfos poderosos e não hesita em utilizá-los. Um deles é a herança de vulnerabilidade financeira externa deixada pelos procônsules. Governos eleitos para
mudar a economia dos seus países vêem-se constrangidos por restrições financeiras e cambiais e
são obrigados a prestar contas ao
FMI.
Outros trunfos importantes são
os acordos bilaterais de comércio,
no modelo Nafta-Alca. Com as
negociações da Alca paralisadas,
os EUA voltaram-se para entendimentos com países individuais
ou grupos de países. Chile e alguns países centro-americanos já
aceitaram o modelo, que implica
substancial perda de autonomia e
redução de margem de manobra
no desenho de políticas de desenvolvimento. No final de 2005, o
Peru também concluiu as negociações de um acordo comercial
do mesmo tipo com os EUA.
Para que lado penderá a América do Sul? A Argentina e, em especial, a Venezuela seguem uma
linha abertamente nacionalista e
de contestação da hegemonia
norte-americana. O Brasil, embora mais cauteloso, já não está tão
vulnerável a pressões externas.
Desde 2002, houve notável ajustamento da conta corrente do balanço de pagamentos e uma certa
recomposição das reservas internacionais do país. O acordo com o
FMI foi encerrado em março de
2005. A tríade Argentina-Brasil-Venezuela tem condições de articular um projeto ambicioso de integração sul-americana.
O caminho natural é ampliar o
Mercosul. A Venezuela está em
processo de adesão ao bloco. Com
a eleição de Evo Morales, a Bolívia poderá seguir o mesmo caminho. Dependendo do resultado da
eleição presidencial de abril no
Peru, é possível que o acordo bilateral com os EUA não venha a ser
ratificado. Quem lidera as pesquisas de intenção de voto é um candidato nacionalista, Ollanta Humala, adversário declarado desse
tratado.
Argentina, Brasil e Venezuela
têm um papel fundamental a desempenhar, principalmente o
Brasil, o maior e mais desenvolvido país do continente. Trata-se de
reconhecer que a integração sul-americana só poderá prosperar se
os países mais fortes estiverem
dispostos a fazer concessões e a
dar tratamento preferencial e diferenciado aos países menores e
menos desenvolvidos.
Não podemos perder de vista o
muito que está em jogo. Conseguiremos construir um bloco sul-americano num mundo crescentemente multipolar? Ou voltaremos à condição de satélites de um
bloco comandado por Washington?
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV- EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail: pnbjr@attglobal.net
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